Baarìa – A porta do vento
“Baarìa – A porta do vento”, Itália, 2009
Direção: Giuseppe Tornatore
A Sicília é uma ilha que hoje faz parte da Itália mas tem história própria de esplendor e decadência.
No Vale dos Templos, próximo a Palermo, podem ser visitadas ruínas que datam do século V AC. Ao longo dos milênios, esses monumentos e outros mais antigos ainda, viram a ilha ser invadida pelos mais diferentes povos: fenícios, gregos, romanos e árabes.
Com todas essas influências, e apesar delas, a Sicília de hoje já viu tempos melhores. Terra de deuses, os heróis ainda caminham por lá, mas perdidos, decadentes, chorando suas derrotas. E o povo siciliano?
Giuseppe Tornatore, o grande diretor italiano de filmes como “Cinema Paradiso”(1988), Oscar de filme estrangeiro, “O Homem das Estrelas”( 1995) e “Malena”(2000) com a belíssima Monica Bellucci, parece querer contar essa história, situando-a durante o século XX, em seu filme “Baarìa – A porta do vento”.
Nascido nos anos 50, na aldeia siciliana que dá nome ao filme, Tornatore abre gavetas e baús da família para contar o passado e diz, aos jornalistas que o entrevistaram, que “Baarìa”é seu filme mais pessoal.
Alguns criticaram o diretor, que também assina o roteiro, dizendo que o filme é superficial, decorativo, que apenas tangencia os episódios históricos e que não aprofunda nada.
Eu discordo porque penso que a intenção de Tornatore não foi contar a história com H maiúsculo. Antes, quer contar casos que ouviu de seus avós e de seus pais e os que viveu, ainda pequeno, em Baarìa, nome em dialeto local para Bagheria, cidadezinha que pertence à província de Palermo.
A memória afetiva, mais rica que a história tradicional, traz à tona uma Sicília que é a terra da infância, da maturidade e velhice de homens e mulheres que lutam para sobreviver com garras e dentes.
Tornatore faz aqui um painel de sua terra e sua gente, pintado com as tintas das lembranças que ele recolheu. Uma arqueologia sentimental.
Com pinceladas de realismo mágico e sob os trovões e dilúvios que se alternam com um sol cruel e tempestades de areia, um fluxo de imagens vai mostrando para os nossos olhos, sonhos e memórias que falam sobre os costumes, as crenças e as superstições do povo de Baarìa.
Assim, ouvimos os registros sonoros de gritos, choro e gargalhadas ecoando personagens de três gerações de uma família siciliana. O avô Cicco (Gaetano Aronica), pastor de ovelhas e cabras que tem paixão por livros, recita o poema épico “Orlando furioso”, para uma platéia de vizinhos fascinados. O filho, Peppino Torrenuova (Francesco Scianna), passa, ainda menino, pelos horrores da Segunda Guerra e do fascismo, testemunha o sofrimento dos camponeses explorados pela máfia, apaixona-se pela política e por Mannina (Margareth Madè, parecida com Sophia Loren e com a nossa Maria Fernanda Candido). E o neto, Pietro, cresce nos anos sessenta, faz passeata e tem paixão por cinema.
Esse retrato lírico da terra natal tem trilha sonora esplêndida de Ennio Morricone e direção de arte impecável de Maurizio Sabatini que reconstruiu Baarìa na Tunísia e sinaliza a passagem do tempo com sutileza e realismo.
Como não poderia deixar de ser, o cinema, paixão de Tornatore, é também personagem em “Baarìa”. E acompanhamos na tela o cinema mudo dos anos 30, os filmes de Fred Astaire nos anos 40, uma filmagem em Baarìa e Fellini sendo citado em uma carta de Peppino à família quando estava em Paris tratando de assuntos do Partido Comunista Italiano.
Uma auto-referência torna-se uma brincadeira com o público e envolve a atriz Monica Bellucci de “Malena”, que é citada na publicidade de “Baarìa”e faz uma micro-ponta, seduzindo os meninos e o professor de uma escola que acompanham mudos, pela janela, uma tórrida cena entre a bela atriz e o pedreiro de uma construção em frente.
Comovente história afetiva de um povo, narrada por um de seus talentosos filhos, “Baarìa”é um filme para ser degustado sem pressa e apreciado pelo coração.
Passei para ver a foto e degustei o texto com café e queijo branco: uma delícia.
Sei que se conselho fosse bom, ninguém dava de graça, mas fica tão bom, qdo vc coloca um espaço entre os parágrafo, dá um fôlego na leitura e, já que o texto é pra ser degustado sem pressa, a gente para um pouco pra descansar em cada espaço e aproveita pra ir acrescentando memórias à leitura.
Foi inevitável relembrar CINEMA PARADISO, que revi há pouco tempo e ficar sonhando acordada for a while.
Sylvia,
Vou seguir a sua sugestão.Espaço de degustação!
Bjs
Eu tenho ficando bem entediado ultimamente com as críticas de cinema da revista Veja, muito negativas, pesadas, destroem todos os filmes, se apega a detalhes, pequenos erros e pouco fala sobre o que realmente importa numa obra de cinema, extremamente medíocre. Herick Soares disse…
A crítica da eleonora é uma crítica com C maiúsculo, não é falar mal gongar um filme ou um ator ou atriz pra causar polêmica e chamar a atenção. È uma crítica de quem realmente viu o filme, sentiu o filme viveu a história do filme e não de quem assiste um filme com um check-list na mão pra anotar os erros. A crítica da Eleonora é de quem de fato aprecia o cinema se entrega a ele. Muito diferente de pôr uma, duas ou três estrelinhas e escrever alguns parágrafos que, ao final da leitura, se dissipam como nuvens e nunca mais irão ser lembradas.
Foi mais mágico “assistir” o filme pelo seu comentário, Eleonora, do que vê-lo “ao vivo e a cores”. Principalmente fazendo “as pausas de degustação” (divino, Menina!) sugeridas pela Sylvia. Adoro filmes e outras expressões de lembranças infantis, quaisquer que sejam. Não sei se as minhas diferiam muito das do G.Tornatore ou se minha paciência já estava toda lotada pela leitura que estava fazendo do livro Os Malavoglia de Giovanni Verga, escrito em 1881, (é oitocentos mesmo), das futricas solidárias dos habitantes de Trezza, vilarejo na costa oriental da Sicília, tbém eles na luta diária pela pura e complicada sobrevivência.
Dose dupla! Tive que reler seu comentário – enriquecido pelos de outras pessoas, – p/ não “deletar” o filme, que realmente é ótimo – embora prefira “cinema paradiso” – e que “seria comico se não fosse trágico”.
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Minha Sinopse
Nasci em São Paulo, Capital. Sou a primeira filha de sete irmãos nascidos de Yvette e Octavio Pereira de Almeida, casada com Ivo Rosset. Estudei Psicologia na PUC de SP e Direito no Mackenzie. Sou psicanalista, membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP. Atendo em meu consultório há mais de 30 anos. Sempre adorei cinema, desde as sessões Tom e Jerry, passando pelo Cine Bijou até o saudoso Belas Artes. Meus filmes preferidos: “Morte em Veneza” de Visconti e “Asas do Desejo” de Wim Wenders.
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