Minha Filha

“Minha Filha “- “Figlia Mia”, Itália, 2018

Direção: Laura Bispuri

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Desde a história do Rei Salomão no Velho Testamento e as duas mulheres que se diziam mães do mesmo bebê, o tema da disputa envolvendo a maternidade é lembrado em várias versões.

Aqui, a diretora italiana Laura Bispuri, em seu segundo longa, escolheu a Sardenha, no verão, como seu cenário. Uma terra antiga onde ainda existem necrópoles milenares escondidas em grutas subterrâneas. Lá vamos encontrar duas mulheres, muito diferentes, que vão se enfrentar pelo amor de uma menina.

Numa praia, durante um rodeio, vemos Vittoria (Sara Casu), 10 anos de idade, andando a esmo e se deparando com uma mulher loura e vulgar, magra, num vestido azul colado ao corpo, atracada a um homem, num canto mais escuro. Ao ver a menina, a mulher se afasta de seu par.

Outra mulher, morena, vem ao encontro dela:

“- Vamos para casa?” diz Vittoria.

“- Claro amor. Vamos procurer o papai?”

Angélica, a loura (Alba Rohrwacher), é uma mulher que vive entre os homens no bar, bebendo e fazendo sexo para ganhar algum dinheiro. É atraente mas sobretudo carente e infeliz.Tem um pequeno sítio mas vive sem dinheiro.

Tina, a morena (Valeria Golino), é doce, recatada, sempre atenta aos cuidados com Vittoria, mas no fundo, também é infeliz.

Há um acordo entre aquelas duas. Vemos Tina trazendo compras do mercado para a outra e limpando seu quintal.

Quando chega em casa, depois do rodeio, Vittoria se olhara no espelho e entendemos que se perguntava sobre seus cabelos ruivos e a pele muito branca, que lembravam a mulher que acabara de ver junto ao homem. A menina já percebera e descobrira o segredo de seu nascimento:

“- Pai, você estava lá quando eu nasci?”pergunta ela.

“- Não querida. Estava viajando.”

Na igreja, as duas mulheres se deparam:

“- O que está fazendo aqui?”diz a morena para a loura, com o rosto fechado.

“- Ela é mesmo ruiva…”diz a outra olhando a menina ao longe.

“- Mas vai escurecer.”

“- Estou vendendo os animais e vou embora para sempre. Está contente?”

“- Melhor assim. Vá viajar. Você sabe que pode contar sempre com a nossa ajuda.”

Em seguida vemos Vittoria perguntando para a mãe:

“- Quem era aquela mulher, mãe?”

“- Uma alma perdida, coitada.”

Mas a menina vai conviver mais com a loura e as cenas das duas vão ficando cada vez mais íntimas. Vittoria, cantando com Angélica uma música que tem como refrão “Nesse amor não se toca”, sofre uma transformação. Espontânea e solta, Angélica faz a menina dançar e cantar, com olhos de admiração para aquela mulher tão diferente de sua mãe.

A mãe morena vai desvendar para a plateia a origem da filha. O marido tem responsabilidade nisso.

Mas, mais do que às mães, caberá à filha resolver o impasse criado. Ela, que agora sabe de onde veio, poderá crescer e enfrentar a vida com mais liberdade e confiança em si mesma.

“Minha Filha” é um filme belo e tocante.

Juliet, Nua e Crua

“Juliet, Nua e Crua”- “Juliet Naked”, Estados Unidos, 2018

Direção: Jesse Peretz

Sabe aqueles filmes que começam e parece que não vão agradar? E quando a gente vê está envolvido com a história e os personagens? “Juliet, Nua e Crua” é uma dessas surpresas.

Aliás, “Juliet” não é nome de mulher, como poderíamos pensar. É o álbum “Juliet Naked”, gravado em 1993 por um roqueiro americano, Tucker Crowe (Ethan Hawke), que desapareceu, depois de terminar um romance com uma modelo de Los Angeles. Cancelou seus shows e sumiu. Desde então, lendas circulam a seu respeito. Como por exemplo, a que diz que ele vive isolado numa fazenda da Filadélfia, onde cria ovelhas. Ele é um mistério.

Mas em Sandcliff, Inglaterra, o desaparecido tem o seu maior fã, Duncan (Chris O’Dowd), que venera sua música e empapelou o porão da casa onde vive há 15 anos com a namorada Annie (Rose Byrne), com posters e fotos do seu ídolo. Ele é professor de cinema numa escola local e mantém um site que reúne os fãs ainda existentes de Tucker.

Annie dedica-se a cuidar do Museu Marítimo que seu falecido pai deixou para ela e a irmã Ros (Lily  Brasier).  E escuta pacientemente as lamúrias da irmã, sempre encrencada com suas namoradas casadas, enquanto prepara as peças para uma exposição.

Em “off” ouvimos ela contando essa história e percebemos o quanto ela se aborrece com esse homem com quem está há 15 anos e que só fala do roqueiro que idolatra. Ele não tem outro assunto.

Ainda por cima, Annie, que está com 30 anos, se ressente por Duncan não querer ouvir falar em filhos:

“- Nada de por crianças nesse mundo podre”, diz ele.

Mas a Natureza tem um chamado forte em mulheres dessa idade, como todos sabemos. E a verdade é que Annie não sente mais nenhuma atração pelo namorado.

Quando chega pelo correio um CD para Duncan, Annie abre a embalagem, meio distraída. E, como o vestido que ela comprou pela internet está grande demais, ela resolve ouvir o CD “Juliet Naked”.

Enquanto isso, Duncan está se engraçando pela nova professora da escola e vai parar na casa dela. E por isso chega tarde em casa. A tempo de ficar bravo porque Annie abriu a correspondência dele e teve a ousadia de ouvir o CD, antes dele. Furioso, vai ouvir o CD sozinho, com fones de ouvido.

E aí começa a encrenca. Duncan acha que o que tem no CD é uma obra prima. Annie acha que é uma versão chata de canções que já ouviram muitas vezes.

Para resumir, ela escreve um comentário negativo no site de Duncan sobre o CD e, num desses caprichos do destino, recebe uma resposta. Pasmem. Do próprio Tucker, que concorda com Annie.

Ethan Hawk, como Tucker, atrai Annie porque é carente, desorganizado como uma criança, irresponsável mas querendo mudar, sedutor e carinhoso. O oposto do namorado dela.

O filme, baseado no livro “Juliet Naked” de Nick Hornby, que foi adaptado pelo diretor e ex músico Jesse Peretz, com a ajuda de Tamara Jenkins e Jim Taylor, tem um roteiro bem escrito e a história tem momentos bem divertidos mas também notas mais melancólicas, em torno à questão do amadurecimento e da responsabilidades com os filhos.

Annie e Tucker vão se aproximar num primeiro momento por causa da implicância que ela tem pelo roqueiro, idolatrado pelo namorado sem graça. Mas as coisas vão evoluir e temos assim uma comédia romântica com sentimentos ternos e sem o jeito açucarado que enjoa.

Ótimo entretenimento.