Amantes

"Amantes" - "Two Lovers", Estados Unidos, 2008

Direção: James Gray

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É uma pena mas a tradução do título do filme do inglês para o português faz com que se perca o sentido de entre dois amores que existe na história que ‘’Amantes’’ quer contar.

Joaquin Phoenix, um ator que tira uma máxima expressão de pormenores, dá vida a Leonard, um homem só, perdido, abandonado.

Sua aparição no ‘’pier’’ escuro nos faz compreender de imediato o estado desesperador em que se encontra. Em câmara lenta larga a roupa envolvida em plástico de lavanderia que levava e pula a mureta. Mergulha para a morte.

Mas é salvo e vamos descobrindo através das conversas entre seus pais que essa é a segunda tentativa de suicídio por causa da noiva que o abandonou. O retrato dela está ainda lá em seu quarto para que possa remoer essa dor.

Em “flashback” vemos a moça indo embora e ficamos sabendo que ambos eram portadores da possibilidade de uma doença genética grave. Não poderiam jamais ter filhos e ela não queria adotar.

Leonard toma remédios para doença bipolar e é a imagem da derrota.

Sabemos o quanto de ódio existe nesse estado de alma que chamamos depressão.

Pois bem, quando quis morrer, Leonard parecia querer matar tudo que nele o enchia de frustração: a doença genética, a angústia do abandono, a dor de não poder mudar nada disso. Doia nele, principalmente, a revolta contra a vida que ele não queria que acontecesse do jeito que estava acontecendo.

E não é por acaso que se sente imediatamente atraído por Michelle, desde a primeira vez que a vê, no corredor de seu prédio. São vizinhos.

Gwyneth Paltrow, também excelente no papel, faz essa “pirralha mimada” como diz o pai dela aos berros, saindo de uma visita à filha.

No mesmo instante em que a vê, Leonard crava os olhos nela: uma garota dourada que se veste de preto.

Claro que para esquecer a noiva amada, nada melhor que uma moça que parece só, perdida e abandonada como ele. Uma miragem.

Mas é a auto-destruição que ele fareja nela que o seduz.

Michelle não tem foco na vida: drogas, baladas, assistente e amante de um advogado casado que diz amá-la mas não larga a família…

Ela é o amor de perdição para Leonard.

Ele, de família judia tradicional, tem o carinho da mãe e do pai.

Isabella Rosselini faz a “jewish mamma” de forma sutil, só olhares preocupados e gestos contidos de proteção.

Para Leonard, seus pais escolhem Sandra (Vinessa Shaw), boa moça de família judia com as mesmas tradições que eles.

E Sandra atrai Leonard para si naturalmente. E o prende com um amor que não é exigente. Bonita e sensual faz amor com ele em uma cena sem gritos mas erótica. Paciente e compreensiva, o aquece com as luvas que comprou para suas mãos geladas.

Ela é o amor de redenção para Leonard.

“Amantes” ficou em cartaz por seis meses em São Paulo. Penso que o público é atraído por esse filme porque há nele o que há nos grandes romances literários

ou seja, humanidade, conflito e paixão.

Além de uma trilha sonora belíssima que vai de bossa nova tocada por Stan Getz (Tom Jobim com “Vivo sonhando” e Jorge Benjor com “Chove chuva”)  a árias de várias óperas (entre as quais “Cavalleria Rusticana”e “Manon Lescaut”)  no vozeirão de Pavarotti.

“Amantes” nos fala da importância das escolhas que fazemos na vida. E da responsabilidade que vem com elas.

Entrevistado por Luiz Carlos Merten, James Gray disse: “- Queria dar ao filme essa textura muito intensa que só se encontra na grande literatura romântica, nos maiores melodramas e na ópera. O amor como sentimento visceral.”

James Gray conseguiu o que queria.

“Amantes” é um filme que merece ser visto e não vai ser esquecido.

 

Julie e Julia

"Julie e Julia", Estados Unidos, 2009

Direção: Nora Ephron

Se você quiser assistir uma comédia inteligente, com um tema original, escolha sem medo “Julie e Julia”.

A diretora Nora Ephron, que também é roteirista do filme, é conhecida por cenas inesquecíveis como aquela de “Harry e Sally” (1989) na qual a moça simula um orgasmo, sem economizar gemidos e gritos, em pleno restaurante, para provar que as mulheres sabem fingir muito bem. A senhora ao lado pede ao garçom: “Eu também quero o que aquela moça está comendo.”

Dessa vez Norah Ephron também escolheu como tema comida e sexo, o amor e suas delícias e amargores.

O filme é baseado em histórias reais contadas nos livros “Julie e Julia”, de Julie Powell e “Minha vida na França”, de Julia Child.

No filme, estas duas autoras aparecem em cenas que alternam França (Paris e Marseille) a partir de 1949 e EUA (New York, Queens) de 2002 a 2004.

Julia Child, mulher de um diplomata apaixonado (Stanley Tucci, ótimo no papel), segue o marido a Paris e encanta-se com a França dos anos 50.

Meryl Streep, mais engraçada do que nunca, recria o mulherão de 1.88m, com voz melíflua e de bem com a vida.

Seu projeto era escrever um livro de culinária que ensinasse às mulheres americanas sem empregada a fazer com capricho pratos da cozinha francesa.

Julia Child acabou na televisão americana em um programa de arte culinária no qual explicava a receita e encarava as dificuldades de fazê-las, incutindo confiança e coragem nas mulheres americanas para enfrentar a cozinha francesa. Tornou-se a “chef” mais famosa dos Estados Unidos.

Julie, interpretada por uma Amy Adams engraçadinha mas que nunca faz sombra a Meryl Streep, toma a decisão de sua vida tentando recriar as 524 receitas do livro de Julia Child em 365 dias enquanto escreve seus triunfos e desânimos em um blog que se torna famoso.

Ela vai parar no New York Times. Mas, para sua decepção, nunca se encontrou com Julia Child, seu ídolo, que ainda era viva e tinha mais de 90 anos nessa época.

O filme explora bem as comparações entre as duas mulheres, diferentes em tudo.

Para Julia, a vida era uma descoberta de prazeres e ela trabalhava com afinco em seu livro, sempre muito calorosa e compreensiva com todos ao seu redor. Engraçada e competente cursa o “Le Cordon Bleu”, curso de arte culinária francesa em Paris, freqüentado apenas por homens.

São hilárias as cenas que mostram o aprendizado de picar cebolas, matar uma lagosta ou desossar um pato.

Mas, para Julie, que vive a crise dos 30 anos no século XXI, o blog torna-se o centro de sua vida e ela espanta-se ao perceber que o marido acha que ela é uma grande egoísta, que só pensa em si mesma.

Ela quer ser famosa como quase todo mundo hoje em dia. E paga o preço.

“Julie e Julia” tem também o mérito de encher os olhos da plateia com belos pratos da culinária trabalhosa (como bem mostra o sofrimento de Julie em sua cozinha apertada), feita a partir dos melhores ingredientes nas mais belas panelas francesas.

Mais que isso, acena com um retorno à alimentação prazeirosa e feita com amor.

Não percam”Julie e Julia”, que tem o sabor de um bom suflê, criado por um “chef” francês, claro.

“’Bon appétit!”