Esplendor

“Esplendor”- “Hikari”, Japão, França, 2017

Direção: Naomi Kawase

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O sentido da visão é não só importante para a nossa sobrevivência, como também é vital para podermos apreciar a beleza, a arte e o cinema.

O filme da diretora japonesa Naomi Kawase, 48 anos, conhecida no Brasil por “O Segredo das Águas” de 2014 e “O Sabor da Vida” de 2015, tem como título a palavra “Hikari” que quer dizer luz. Visão e luz são essenciais para o cinema.

Mas, nesse filme, a diretora escreveu um roteiro que mostra uma profissão original e tão importante para quem não pode ver e gosta de cinema. Misako (Ayame Misaki) é tradutora de imagens de filmes para pessoas com deficiência visual. Ela busca palavras para passar o máximo de detalhes que, sendo visuais, essas pessoas tem que captar através do que ela fala.

Misako é muito atenta e responsável. Porém talvez ainda não se deu conta do quão complicado é o que faz. Sempre apresenta seu trabalho para um grupo de pessoas que precisa dessa tradução e que pode opinar sobre o trabalho de Misako, que sempre aceita as sugestões.

Uma dessas pessoas do grupo para quem Misako lê sua tradução pela primeira vez, enquanto passa o filme, é um fotógrafo famoso que está perdendo a visão, Nakamori (Masatoshi Nagase). Deprimido e cheio de raiva, ele não se conforma com o que está acontecendo com ele.

Nakamori critica duramente uma frase que Misako colocou na cena final do filme que assistiam, que mostra um velho subindo com dificuldade uma duna de areia, onde o sol está se pondo. Ela coloca a palavra “esperança” para descrever o olhar do velho homem.

O fotógrafo critica a escolha da palavra e diz que ela inventa e destorce o que o filme quer passar com aquela cena final.

Misako não aceita a crítica e o acusa de não fazer uso de sua imaginação.

A partir desse desentendimento, Misako, que é muito jovem, vai aprender mais sobre a vida. Ela vai entrevistar o ator e diretor (Tatsuya Fuji de “O Império dos Sentidos” de Nagisa Oshima) do filme que provocou a crítica mal recebida por ela.

E se surpreende com as palavras dele.

Passa a colocar-se no lugar do fotógrafo, fazendo percursos com os olhos fechados. E percebe o quanto assustador e difícil é o estado de cegueira.

Começa a refletir também sobre a perda, o luto e o medo da morte.

Ao mesmo tempo, descobre no livro de Nakamori uma foto que traz lembranças de sua infância.

A aproximação entre o fotógrafo e a tradutora vai ajudar a ambos na aceitação dos maus momentos da vida, das perdas, dos enganos, das frustrações e das tragédias.

Um filme delicado, belo e que nos faz pensar sobre o que temos de mais importante, o dom da vida.

Ciganos da Ciambra

“Ciganos da Ciambra”- “Ciambra”, Itália, Brasil. Alemanha, França, Suécia, Estados Unidos, 2017

Direção: Jonas Carpignano

Os ciganos são um povo antigo e mítico, espalhados pelo mundo, sem moradia fixa, em suas carroças e cavalos. Pelo menos era assim. O avô de Pio, um jovem cigano, aparece numa cena que inicia o filme, quando era um rapaz, com o seu cavalo, galopando nos campos abertos onde vivia na liberdade, sem patrão. Conta isso ao neto, que não conheceu esse tipo de vida mas que a tem, de alguma forma, na sua memória ancestral.

“- Agora, somos nós contra o mundo. Antes íamos pelas estradas, livres” é o que Pio ouve do avô que mantém uma dignidade visível, apesar das roupas rotas.

Na Comunidade de Gioia Tauro, em um gueto, A Ciambra, é o lugar onde vivem os ciganos romenos na Calábria, sul da Itália, onde dividem o território com os africanos imigrantes e os italianos.

Pio, de 14 anos, é o personagem central dessa história de uma realidade dura, sem tempo para aconchegos. Impera sobre ele a lei do sangue, da família Amato. Deve proteger os seus, custe o que custar.

A câmara segue o garoto, muitas vezes em “close”, em busca de oportunidades para roubar. Carros são os mais lucrativos. O dono paga para ele dizer onde deixou o que roubou. Pio vive assim, de rapinagens. É ele que tem que sustentar a família com o que consegue, já que o pai e o irmão mais velho estão presos.

Não há lugar nem tempo para a infância no lugar onde Pio vive. Aliás as próprias crianças não querem essa infância destituída. Querem crescer, virar gente, de cigarro na boca desde muito cedo, falando grosso como os grandes.

Pio vai conseguir pertencer à tribo dos mais velhos, subir na hierarquia, às custas de trair aquele que mais o apoiava e com quem podia contar. Mas Aviya (Koudous Seihon) é negro, imigrante de Burkina-Fasso. A lei do sangue exclue o estrangeiro, esse africano que não é bem recebido a não ser entre os seus. Os excluídos, por sua vez, também excluem.

Jonas Carpignano, o diretor, já havia tratado desses personagens imigrados da África em “Mediterranea” e feito um curta com o garoto Pio.  Dessa vez, usa novamente só atores não profissionais. Toda a família de Pio, os Amato.

Eles são espontâneos e transmitem não só a vivência da pobreza mas também uma alegria de viver que explode em risos, cantos e brincadeiras que amenizam um pouco o impacto desse mundo sem oportunidades, às margens do nosso.

Com produtores como Martin Scorsese e o brasileiro Rodrigo Teixeira, o filme fez bonito nos festivais por onde passou. Vale seguir a carreira de Jonas Carpignano.