Entre Laços

“Entre Laços”- “Karera ga honki de amu toki wa”, Japão, 2017

Direção: Ogigami Naoko

Oferecimento Arezzo

Tomo (Rinka Kakihara) tem 11 anos e vive com sua mãe. Mas ela é descuidada e chega em casa quase sempre bêbada. Segue seu instinto de fêmea e prioriza seus amores.

Quem sofre muito com isso é sua filha, pequena ainda, que só tem para comer os bolinhos de arroz comprados por sua mãe e largados junto a pratos sujos e roupa jogada pelo chão.

Até a noite em que a mãe não volta para casa e Tomo resolve procurar seu tio Makio (Kenta Kiritani).

“- Foi demitida outra vez…  Sua mãe é irresponsável. Vou levar você para a minha casa. ”

Percebemos que há algo que o tio quer contar mas não sabe como. Apenas diz para Tomo que está morando com uma pessoa “diferente”, importante para ele.

“- Eu falei de você para ela. Ela não é comum. Vai gostar de minha sobrinha. ”

Quando chegam, uma moça alta os recebe com um sorriso:

“- Sou Rinko. Entre! ”, diz olhando Tomo.

“- Minha casa não está diferente? ” pergunta o tio.

E quando sentam à mesa para jantar, a menina sorri. Nunca tinha visto tanta variedade de pratos.

“- Coma tudo o que quiser ”, diz Rinko.

“- Ela é ótima cozinheira! ”

E Tomo come com vontade, cansada dos bolinhos de arroz comprados pela mãe dela.

Com naturalidade e poucas explicações, Rinko conta sua condição de mulher transgênero para a menina:

“- Maiko contou para vc? Sobre mim? Sabe, nasci menino. “

A maneira tranquila mas principalmente a delicadeza e o carinho de Rinko conquistam Tomo, que era preconceituosa na escola, fugindo de um garoto que gostava de outro menino e queria ser amigo dela.

Aos poucos, a estranheza que Tomo pudesse ter desaparece e ela aceita e gosta da presença de Rinko em sua vida. Para quem não teve o amor da mãe, Rinko que sempre quis ser mãe, é uma dádiva.

O filme da diretora japonesa Ogigami Naoko trata da transsexualidade de maneira quase didática, de uma forma que qualquer criança entende. O preconceito é mostrado também mas não há julgamentos nem explicações complicadas e muito menos cenas de sexo.

É um filme para quase todos. Talvez até para os mais conservadores. Rinko (Toma Inkuta, que é homem) convence na interpretação da personagem que sempre foi mulher para si mesma.

“Entre Laços” ganhou o Prêmio Teddy no Festival de Berlim de 2017, dado ao melhor com temática LGBT.

Delicadeza, afetos entrelaçados com tricô e um piano que toca uma musiquinha gostosa, aumentam o prazer de assistir a esse filme comovente e belo.

A Natureza do Tempo

“A Natureza do Tempo”- “Em Attendant les Hirondelles”, França, Alemanha, Argélia, 2017

Direção: Karim Moussaoui

A Argélia é um país no norte da África, entre o mar Mediterrâneo e o deserto do Saara. A região foi habitada pelos berberes desde pelo menos 10.000 AC. É uma terra que foi alvo de conquista desde o Império Romano, passando pela colonização árabe no século VIII, pelos Impérios Bizantino e Otomano, a Espanha e a colonização francesa desde o século XIX até meados dos anos 60, no século passado. Fala-se árabe e berbere (línguas oficiais) e francês (língua não oficial) por causa das colonizações.

No fim do século XX, o fundamentalismo religioso muçulmano levou o país à guerra civil em 1992, que massacrou milhares de pessoas e dividiu a população.

Depois de tudo, a Argélia começa a se reorganizar. Mas é uma terra sofrida, com cicatrizes ainda expostas e necessitando de paz e reconciliação. A harmonia depende agora dos próprios habitantes do país, que deverão esquecer os sofrimentos e vinganças para recuperar um tempo de paz.

Essa é a metáfora por trás do título do filme. As andorinhas são esperadas. Trarão a Primavera. Mas quando? Quando vai começar a mudança para tempos melhores?

Essa é a mensagem que o diretor Karim Moussaoui quer passar, em seu primeiro longa, contando três histórias que envolvem personagens que vivem esse desafio atual.

Na primeira, um empresário, Mourad, visita sua primeira mulher. Os pais tentam persuadir o filho a continuar seus estudos de Medicina mas ele só pensa em andar de moto com os amigos.

No caminho para casa, tarde da noite, Mourad assiste sem querer a algo terrível. Ele hesita entre intervir e fugir, fingindo que não viu nada.

Essa atitude de uma elite econômica para manter seus privilégios emperra a mudança tão esperada pelo povo da Argélia? É uma das perguntas do diretor.

Na segunda história o motorista do empresário Mourad pede uns dias de folga, para levar a uma cidade no sul, uma família de vizinhos que vai casar a filha.

Vamos descobrir um amor proibido que une a bela moça, que vai casar num casamento arranjado e o modesto empregado de Mourad. Mas quando uma intoxicação alimentar leva ao hospital toda a família da moça, os dois jovens vão ter momentos só para eles.

Ficam juntos e passeiam pelas redondezas do hotel em que se hospedam por uma noite. Vemos belas montanhas ao longe, cercando um vale de areia, com trechos escondidos onde crescem tamareiras e romãs.

E assistimos a uma linda cena na qual a moça bela dança para aquele que poderia ser o amor de sua vida.

Na terceira história há uma lembrança terrível do tempo da guerra civil. Um médico bem intencionado é acusado de um crime hediondo.

O que fazer para recuperar a confiança e a harmonia entre essa gente ferida por episódios tristes em suas vidas?

O jovem diretor Karim Moussaoui sugere, com esperança, que gestos de aproximação entre as pessoas talvez sejam o início de uma saída para os esperados tempos de renovação de que Argélia tanto necessita.