Um Contratempo

“Um Contratempo”- “Contratiempo”, Espanha, 2016

Direção: Oriol Paulo

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Quando você tem tudo que quer e a sorte lhe sorri, cuidado. Porque você pode entrar numa espécie de cegueira e aí sua onipotência torna-se má conselheira.

Foi isso talvez que aconteceu com o jovem e bem sucedido  dono de um empresa do ramo da tecnologia, eleito empresário do ano. Ele (Adrián Doria) tem uma mulher bonita e amorosa e uma filhinha adorável. Mas apesar de amá-las, não lhe bastavam.

Divertia-se com uma amante, a bela fotógrafa Laura (Barbara Lennie). Costumavam passar tempos juntos, mentindo para seus respectivos cônjuges que estavam a trabalho em algum lugar. Parecia a coisa certa já que nenhum dos dois queria uma separação.

Mas chegou um momento em que Adrián começou a sentir que essa relação estava pesada. Toda essa história de ter que inventar motivos falsos para estar com Laura… Não havia sentimentos profundos entre eles. Mais prático acabar com o caso.

E, quando voltavam de uma dessas escapadas num fim de semana, passando por uma estradinha que cortava uma floresta, ele resolve dizer a ela que estava tudo acabado.

Por uma dessas coincidências do acaso, nesse exato momento, um grande cervo pula à frente do carro de Adrián, que perde o controle da direção e bate em outro carro que vinha em sentido contrário.

Depois do susto, aliviados porque nada tinha acontecido com nenhum dos dois, resolvem ir até o outro carro, parado fora da estrada.

Um jovem está imóvel no assento do carro e parece ferido seriamente. Laura tenta acordá-lo. Nem um sinal de vida.

Assustada, Laura pensa em chamar a polícia mas como explicar Adrián e ela tão longe de casa? Nenhum dos dois quer um escândalo.

É aí que ela tem a ideia de livrarem-se do corpo e do carro do rapaz. Adrián aceita essa solução e vai conduzindo o carro do rapaz com o corpo no porta malas.

Mas quando ele sai, Laura não consegue fazer o carro dele pegar. E é por aí que a coisa vai complicar. Pessoas vão passar pela estrada e como ela vai fazer? Como irá encontrar-se com Adrián?

Toda mentira leva a outras. Sabemos disso. E esse filme que começa com um contratempo, vai complicar-se cada vez mais.

Preso por um crime que diz que não cometeu, Adrián Doria é considerado culpado pela morte de Laura, num quarto de hotel, onde ele diz que foram encontrar um chantagista.

Seu advogado sugere que contratem uma advogada experiente, Virginia Goodman (a excelente Ana Wagener), para prepará-lo para o julgamento.

Os dois se encontram e tem três horas para montar uma defesa imbatível. Para isso, ela vai interrogá-lo de forma agressiva e inteligente, pedindo que conte tudo em detalhes. Enquanto isso, o advogado de Adrián vai atrás de uma testemunha chave.

O diretor e roteirista  espanhol Oriol Paulo conseguiu escrever uma história fantasticamente bem contada, através de “flashbacks” do passado, inseridos com maestria numa ótima edição.

A plateia é convidada a pensar e tentar descobrir a verdade. Mas esse é um feito difícil pois, a cada passo, a trama se adensa mais e o que sabíamos antes, passa a ser uma mentira bem contada. E são muitas.

O final é surpreendente e original.

Mais não digo porque qualquer coisinha a mais pode estragar o prazer desse final.

“Um Contratempo” é um suspense que há muito tempo não se via no cinema.

 

Boneco de Neve

“Boneco de Neve”- “The Snowman”, Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, 2017

Direção: Tomas Alfredson

As primeiras cenas do filme, que mostram uma casa perdida nas montanhas cobertas de neve da Noruega, são da maior importância na trama. Nelas, um garoto vê sua mãe sofrer por causa de um homem brutal, que ele chama de “tio”. Depois de uma briga entre os dois, a mãe o acusa de ser pai do menino. Nervosa, ela dirige perigosamente o carro onde estão e o menino não consegue salvá-la depois de um acidente.

Há um salto no tempo e vemos o detetive Harry Hole (Michael Fassbender, sempre excelente ator) tentando voltar à boa forma, prejudicada pelo seu vício com a bebida, que fez com que perdesse sua mulher Rakel (Charlotte Gainsbourg). E a oportunidade de redimir-se aparece quando uma policial, Katrine Bratt (Rebecca Ferguson), vinda de Bergen, precisa de ajuda para seguir a pista de mulheres desaparecidas.

Na verdade, tais mulheres tidas como desaparecidas foram assassinadas de modo cruel por um “serial killer”, que tem como assinatura um boneco de neve, sempre encontrado no local do crime. Tem grãos de café na boca, qual dentes pretos e olhinhos cruéis. Outras mulheres terão o mesmo fim durante o filme.

A bela detetive companheira de Harry é corajosa e vai atrás de pistas que incriminariam homens poderosos de Oslo. Uma clínica médica e um empresário milionário estão em sua mira.

O diretor Tomas Alfredson se saiu muito bem no encantador “Deixa ela entrar” de 2008, com a história de uma menina vampira e assinou “O Espião Que Sabia Demais”. Nesse “Boneco de Neve”, adaptado do best-seller de Jo Nesbo, sentimos que falta continuidade à história que é contada, deixando o espectador às vezes perdido. A montagem de Thelma Schoonmaker faz cortes abruptos, o que agrega uma sensação de confusão.

Em entrevistas, o diretor responde às críticas negativas sobre o filme, dizendo:

“Nosso tempo de filmagem na Noruega foi muito curto e ainda não tínhamos a história toda e quando começamos a edição descobrimos que faltava filmar muita coisa. Foi como se tivéssemos feito um grande “puzzle” e algumas peças estivessem faltando, o que faz com que não se veja a figura inteira. ” Assim, cenas adicionais tiveram que ser filmadas na primavera em Oslo.

A explicação do diretor esclarece essa sensação de descontinuidade, que é uma pena, porque o resultado são personagens rasos que impedem a possibilidade do espectador entrar mais emocionalmente na história.

No entanto, “Boneco de Neve”, com todos os seus defeitos, é entretenimento de muito melhor qualidade quando pensamos nos roteiros pobrinhos dos filmes de super-heróis que atravancam os cinemas da cidade.