Fragmentado

“Fragmentado”- “Split”, Estados Unidos, 2017

Direção: M. Night Shyamalan

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Antes mesmo dos créditos, já somos jogados no clima do filme. Três garotas, dentro do carro do pai de uma delas, são surpreendidas com a entrada de um estranho, que as ameaça usando uma máscara contra gazes. Põe todas para dormir, sem dizer uma única palavra.

Entram os créditos, entremeados com cenas rápidas do sequestrador levando as meninas para o cativeiro.

A partir daí, a atmosfera pesada de suspense e medo do que virá se instala entre as sequestradas e a plateia. O que vai acontecer? O que quer aquele estranho com ar severo?

James McAvoy arrasa com uma interpretação soberba, demonstrando, sem exageros, seu talento camaleônico em personificar um homem com transtorno dissociativo de personalidade. Ele tem nada mais nada menos que 23 identidades, diferentes em tudo. A original, Kevin, sofreu na infância nas mãos de uma mãe tanto louca como cruel. As outras identidades teriam surgido para ajudar Kevin a suportar os traumas sofridos.

Numa procura de recriar uma realidade nova para escapar do sofrimento, Kevin caminha em direção a uma perigosa perda de contato com a realidade do mundo onde vive. Embrenha-se em explicações esotéricas e alucinações sobre um mundo espiritual, para perpetrar crimes nos quais a sexualidade é exercida com perversidade.

Dentre as sequestradas, a que melhor compreende o que  acontece é a que passou por maus bocados na vida. Tal qual o sequestrador, foi abusada na infância e percebe os sinais de loucura no homem que as tem submissas. Anya Taylor-Joy, de “A Bruxa”, se destaca, bem como a pequena Izzie Coffey que é ela quando criança mas as novatas Haley Lu Richard e Jessica Sula também se saem bem e vivem com convicção seus papéis.

O diretor e roteirista nascido na Índia e criado nos Estados Unidos, na Pensilvânia, M. Night Shyamalan, 46 anos, com seu talento para contar histórias fora do comum, foge de mostrar a violência crua e apega-se ao detalhe, ao “close” do rosto dos atores, à sugestão do que pode estar acontecendo, o que assusta ainda mais e é eficiente porque conta com a ajuda da imaginação do espectador.

Shyamalan, do inesquecível “Sexto Sentido” de 1999, conta que pensou nesse filme “Fragmentado – Split” quando sua mulher estudava psicologia e ele descobriu a possibilidade das múltiplas personalidades. Criou a psiquiatra dra Karen Fletcher (Betty Buckley) para ilustrar melhor o que seria esse transtorno psíquico.

Mas o filme tem explicações mais sobrenaturais do que psicológicas para o vilão. Porque “Fragmentado” não é uma história real que o diretor quer contar. É pura ficção. É uma fábula, um conto fantástico, uma alusão ao mito do super-homem.

E parece que ele já está filmando a sequência para completar a trilogia que começou com “Corpo Fechado” (2000). Quem for ver “Fragmentado” note Bruce Willis, o “Mr Glass”, na última cena, já preparando o que virá e que aguardamos com impaciência.

 

O Filho de Joseph

“O Filho de Joseph”- Le Fils de Joseph”, França, Bélgica, 2016

Direção: Eugène Green

“Mater certa pater semper incertus”, reza o direito romano, ou seja, a mãe sempre se sabe quem é. Já o pai… É claro que nem sonhavam com fertilização in vitro, barriga de aluguel e exames de DNA.

Mas “O Filho de Joseph” trata da questão da paternidade de outro ponto de vista, com uma história exemplar focada nas emoções da relação simbólica pai e filho.

Elegante, o filme usa de passagens da Bíblia pintadas por grandes pintores. Os quadros célebres ilustram capítulos do filme: “O Sacrifício de Isaac”, “O Bezerro de Ouro”, “O Marceneiro”, “A Fuga para o Egito”.

Estamos em Paris e um adolescente solitário de 16 anos, Vincent (Victor Ezenfis) mora com sua mãe amorosa, a enfermeira Maria (Natacha Régnier). Ele faz de tudo para descobrir quem é seu pai, já que a mãe guarda esse segredo a sete chaves.

Mas o que não descobre um garoto inteligente, obcecado por essa questão?

E a descoberta é uma decepção que motiva um desejo de vingança. Porque o pai de Vincent é Oscar Pormenor  (Mathieu Amalric), um editor de sucesso mas mau caráter e egoísta que não dá a mínima para a família ou filhos.

Ora, Vincent dorme num quarto azul real, onde está pendurado na parede à sua frente, uma réplica do quadro de Caravaggio, “O Sacrifício de Isaac”, passagem conhecida do Velho Testamento, quando Deus ordena a Abraão que mate Isaac, seu único filho, concebido na velhice e é interrompido no último momento por um anjo que segura sua mão com a faca.

Há algo naquele quadro que Vincent não consegue entender e que inspira sua vingança. Não seria o filho que deveria matar o pai negligente?

O garoto passa horas de sua vida olhando aquela cena e só vai poder comprendê-la quando encontra Joseph (Fabrizio Rongione), irmão de Oscar, o pai biológico de Vincent, deserdado pelo pai de ambos e que usa o nome da mãe. O menino não tem ideia de que ele é seu tio.

O espectador pode estranhar um certo ar teatral assumido pelos atores, que recitam seus diálogos e muitas vezes olham diretamente para a câmara. Mas esse é o estilo do diretor e roteirista Eugène Green, americano nascido em Nova York, que vive há 50 anos na França e admira a força do teatro clássico.

E há toques de humor que ficam a cargo da personagem de Maria de Medeiros, que faz uma crítica literária insinuante.

Numa visita ao Louvre, olhando o quadro de Georges de La Tour que representa o marceneiro Joseph sendo observado amorosamente pelo menino Jesus, o Joseph de Vincent diz:

“- Foi o filho que fez dele um pai.”

Co-produzido pelos irmãos Dardenne, um selo de qualidade, “O Filho de Joseph”  é um filme comovente, interessante e original. Merece ser visto. Abranda o coração.