Ben-Hur

“Ben-Hur”- Idem, Estados Unidos, 2016

Direção: Timur Bekmambetov

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Para quem viu, em 1960, o “Ben-Hur” de William Wyler (“remake” do primeiro, de Fred Niblo, de 1925), que ganhou 11 Oscars, o filme do cazaque Timur Bekmambetov não chega a empolgar. Por que? Porque o filme de Charlton Heston impregna nossa memória com uma emoção que falta ao novo “Ben-Hur”.

Com um roteiro focado na dominação do povo romano sobre o povo judeu que habitava a Palestina no século I da era cristã, perde-se a intenção de seguir dois irmãos que não tinham nem o mesmo sangue, nem os mesmos deuses, em seu conflito pessoal de amor e ódio. A ideia seria a de mostrar um filme de soldados e exércitos cruéis. Oprimidos e opressores.

Soa mais contemporâneo? Mais político? Mas tal ideia se perde já que os dois personagens principais continuam sendo a atração.

Assim, Judah (o príncipe judeu, interpretado pelo neto de John Huston, Jack Huston) e Messala (o órfão romano adotado pela família judia, papel do fraco ator Toby Kebbell), no início rapazes inseparáveis, viram inimigos ferozes e, diferente da história original, acabam novamente como inseparáveis, no final boboca.

Ou seja, tentaram mudar o foco da vingança de Ben-Hur para o perdão. Certamente mais apropriado para os nossos tempos do politicamente correto. Mas para quê mexer numa história tão conhecida? Para quê fazer um “remake” que é diferente do original? Falta de bons roteiros?

Porque no livro do general Lew Wallace de 1880, Messala morre na cena da corrida das bigas, que também é o fim de Stephen Boyd, ótimo no filme de 1959. Já no filme atual, ele só é ferido e perde a corrida para Ben-Hur, humilhando assim Poncio Pilatos e sai louco por uma vingança mas é dominado novamente por uma afeição a Ben-Hur.

Aliás, reza a lenda, alimentada por Gore Vidal, um dos roteiristas do filme de William Wyler, que havia uma intenção, nas entrelinhas, de fazer um par gay dos dois rapazes. E esconderam isso de Charlton Heston porque ele era muito conservador e não teria aceito o papel.

Outros tempos. Outros atores. Outros filmes.

Aliás, a figura de Jesus, que não era mostrada na versão de 1959, nessa atual é o que há de melhor, como atuação e composição de personagem. Rodrigo Santoro mostra a que veio, fazendo da figura mais famosa, o centro emocional do filme, não só pela mensagem que comunica ao mundo mas pela presença suave e poderosa do ator brasileiro.

Mas Bekmamtov também mostrou ser bom diretor, já que a cena das bigas, foi muito bem feita, usando os próprios atores e não substitutos digitais, o que impregna de perigo o ponto alto do filme.

Sem esquecer a batalha naval, também emocionante, onde o inglês Jack Huston, apesar de não ser nenhum Charlton Heston, tem mais chance de mostrar seus talentos como ator.

As mulheres que interpretam a mãe, a irmã e a mulher de Ben-Hur passam desapercebidas, tanto quanto Morgan Freeman, meros figurantes.

Resumindo, quem não viu o filme de 1959, vai se entreter com o de 2016, não mais do que isso.

 

 

Mercuriales

“Mercuriales”- Idem, França, 2014

Direção: Virgil Vernier

Em um mundo inseguro, perigoso, quem cuida da segurança?

Nas Mercuriales, torres gêmeas de Bagnolet, no subúrbio de Paris, vemos um rapaz negro ser admitido como vigia, sem ter nenhuma noção do que poderá ter que enfrentar. Equipamentos há muitos. Câmaras, medidas automáticas contra fogo e mal funcionamentos.

Mas ele vai ter também que enfrentar pessoas. Aquelas que procuram o terraço para se jogar ou ainda outras que buscarão atacá-lo. Sem conhecer golpes de lutas marciais, parece que o único recurso seria enfiar os dedos nos olhos do agressor. Ele é magrinho e calado. Escuta essas instruções com olhos medrosos.

Reaparece, cenas depois, como vigia de roubos no supermercado das torres e, no fim do filme, participando de uma milícia armada, com roupas de camuflagem, que patrulha os arredores das Mercuriales.

Mas ele não é o protagonista.

As duas garotas do filme são Joane (Phillipine Stindel), a francesa e Lisa (Ana Neborai), a que veio da Moldávia.

Ambas são belas, cabelos claros, lisos e longos, corpos jovens e peles perfeitas.

São tão parecidas que poderiam ser irmãs mas acabaram de se conhecer, quando foram fumar num intervalo do trabalho, no alto da torre.

“- Faz tempo que você trabalha aqui?” pergunta a recém-chegada.

“- Parecem mil anos…” responde a francesa.

Elas convivem com as pessoas que habitam aquele subúrbio, em prédios mal tratados e data para ser derrubados.

Debaixo do viaduto próximo das torres rastejam ratos e pessoas.

Esse fluxo de gente desgarrada e sem rumo, aproxima as duas moças que conversam sobre banalidades e medos quotidianos, enquanto se fazem companhia, porque Joane é babá da filha de uma negra que trabalha na noite. A menina é como uma boneca para as duas mocinhas. Vestem as roupas da mãe nela, riem muito  e as três conversam sobre fé em Deus, fim do mundo, paraíso e inferno. Tudo muito infantil e amedrontador.

Lisa perdeu de vista uma prima que desapareceu na cidade e Joane tem lembranças de um hospital psiquiátrico e medo da loucura nela.

Mas nenhuma delas se aprofunda em nada e a vida parece um dia depois do outro, sem rumo nenhum.

Lisa tem um pequeno apartamento mas dorme com Joane num colchão, no chão do quarto dela. Temem a solidão. São meninas, não mulheres.

Precisam de algo que não existe ali. E sonham com outro lugar e outro tempo.

Lisa se lembra de festas pagãs na chegada da primavera na aldeia em que morava. São imagens sexualizadas e perversas.

A francesa leva a outra para a casa do avô que já morreu. E lá elas andam ao longo do rio, tomam sol e banho de banheira juntas. Um hiato de tranquilidade mas que não dura muito.

Um dia, Lisa quer voltar para a casa dela.

E Joane fica só.

O diretor Virgil Vernier, francês de 40 anos, nos leva a perguntar: o que sonha essa juventude sem objetivos na vida?

Parecem muito frágeis. Mas a segurança de que precisam, não é a dos vigias das torres, nem a falsa sensação de segurança que conseguem com bebida, drogas e sexo fortuito.

Não sabem o que procuram…Por isso não vão encontrar.

Um filme que surpreende pela narrativa incomum e que fica propondo perguntas que não sabemos como responder.