A Corte

“A Corte”- “L’Hermine”, França, 2015

Direção: Christian Vincent

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Tudo começa num tribunal. E o juiz Michel Rancine (Fabrice Luchini, excelente ator) será o personagem principal.

O arminho do título em francês, refere-se à pele branca que circunda a capa vermelha do Presidente do Tribunal de Saint Omer. É uma tradição que confere ao juiz uma posição de autoridade e respeito.

Mas, naquele dia, o juiz conhecido por suas sentenças severas, nunca menos de 10 anos, está se sentindo mal. É a gripe. Pálido, com febre, ele volta ao hotel onde está instalado desde que sua mulher decidiu que quer o divórcio.

No quarto, ele lê o processo do dia seguinte. Um caso de infanticídio, no qual o acusado de matar um bebê de sete meses é o próprio pai, um jovem militar.

Mas o juiz piora e sai pela rua à procura de uma farmácia e uma injeção. Está fraco, cai na rua. Os passantes não o ajudam, acreditando estar na presença de um bêbado.

O jogo das aparências e da verdade vai ser encenado pelos personagens do filme “A Corte”, ótima tradução do título original, porque o tribunal como lugar solene e a lembrança de um amor se misturam na história.

No dia seguinte, quando chega ao tribunal, ainda se sentindo mal, o juiz escuta dois advogados falando dele, sem perceber que ele ouve tudo:

“- Viram ele cair na rua ontem à noite, bêbado, saindo de um bordel.”

Ao ouvir essas palavras, Rancine se irrita e entra no tribunal de cara fechada. Um advogado cochicha com o outro:

“- O juiz está de mau humor. Não queria estar no lugar do réu.”

Mas, ao sortear o nome dos jurados, algo acontece, porque seu rosto mostra um misto de sentimentos, ao ler em voz alta, o nome de uma jurada. O que será que liga o juiz àquela médica bonita (Sidse Babett Knudsen)?

Há segredos na trama, além de o que acontece nem sempre ser o que parece.

Aliás o que é a verdade? Em meio ao processo de julgamento, o juiz conversa com os jurados e fala que é bem provável que ninguém saberá jamais a verdade sobre a morte da bebê. E por que? Porque naquele tribunal não se trata de estabelecer a verdade dos fatos mas de fazer cumprir a lei.

Fabrice Luchini ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza e o roteiro também foi premiado. O diretor Christian Vincent (“Os sabores do palácio” 2012) contou bem a história que envolve o espectador na dupla trama.

“A Corte” é interessante do princípio ao fim. E acaba inesperadamente com um jogo de olhares. Quem prestou atenção no filme vai entender porque ela veste o vestido cor de creme.

Um filme agradável. 

Amor e Amizade

“Amor e Amizade”- “Love & Friendship”, Irlanda, Holanda, França, Estados Unidos, Reino Unido, 2016

Direção: Whit Stillman

Incrível pensar que o livro que foi adaptado para o filme foi escrito por uma Jane Austen (1775-1817) de apenas 18 anos,  publicado em 1871, bem depois de sua morte.

Há aqui uma observadora irônica e crítica dos costumes e da moral vigente na aristocracia inglesa do fim do século XVIII. E bom humor.

A personagem principal, que dá título ao filme, é “Lady Susan”, em torno da qual viravolteiam homens e mulheres que ela seduz e engana com a maior facilidade. Diria mesmo que Lady Susan é temida pelas mulheres que a conhecem melhor. Uma delas chega a chamá-la de “a serpente do jardim do Éden”.

Os falatórios a perseguem mas ela não dá a mínima. Sempre se sai bem, colocando a culpa nos ciúmes das outras e dos outros.

Homens ricos são o alvo dessa viúva, ainda jovem e belíssima, que tem uma filha adolescente, que ela precisa casar com um bom partido. Ela também precisa. Por que não?

Como não tem dinheiro, só pose, visita os amigos e parentes por longas temporadas, até acabar sendo descoberta em suas manipulações, das quais sabe tirar proveito, com percebemos na frase inicial do filme:

“- Se não fosse Langford, nunca teríamos sido felizes”, diz Lady Susan (Kate Beckinsale, perfeita) à filha Frederica (Morfydd Clark).

E, claro, para chegar aos seus objetivos, ela usa de todo o poder de sua beleza sobre os homens e de sua mente que fabrica estratégias dignas de um general com o peito cheio de medalhas.

Os diálogos são finos e educados, ela sempre linda, com os cachos castanho-dourados em coques meio soltos, a pele perfeita e a silhueta desejável desfilando um vestido único, no início da história e vários outros depois, de muito bom gosto, quando começa o saque ao dinheiro do marido de uma outra.

A amiga americana (Chloe Sevigny) é a confidente que se deslumbra com a astúcia dela. Casada com um homem mais velho, Alicia Johnson, que é ameaçada de ser devolvida a Connecticut por causa dessa amizade com a mal falada Lady Susan, escuta dela a reprimenda divertida por ter se casado com um aristocrata “velho demais para ser governável e jovem demais para morrer”.

“- Espero que o próximo ataque de gota que ele tiver, seja terrível” diz a amiga petulante, provocando risos na provável futura viúva.

Os diálogos são rápidos e cheios de truques e podem deixar o espectador, de início, meio perplexo. Mas, calma. Mais do que aquilo que se diz, o melhor mesmo é observar Kate Beckinsale e seu jeito maroto e arrogante de enganar, que é a cereja do bolo de “Amor e Amizade”.

Sem dúvida, uma bela e charmosa “cara de pau”.