Café Society

“Café Society”- Idem, Estados Unidos, 2016

Direção: Woody Allen

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Todo fã de Woody Allen sabe o gosto que dá ouvir as músicas de jazz instrumentais, enquanto na tela negra aparecem os créditos em letras brancas. Um ritual que nos prepara para todo filme do genial cineasta.

As cidades podem ser Paris, Roma, Londres ou Nova York e a época varia mas a sensação de prazer é sempre a mesma. Em “Café Society” não é diferente.

Vamos transitar entre o apartamento do jovem judeu Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg, ótimo) e seus pais (Ken Stott e Jeanne Berlin, hilários), no Bronx, Nova York e a casa modernista do tio Phil (Steve Carell, cada vez melhor) em Los Angeles.

Instigado pela mãe, Bobby desiste de ser um ninguém em Nova York e parte para a costa leste, onde o tio Phil, agente de grandes nomes de Hollywood, vai acolher o sobrinho e arranjar algo para ele fazer. Ao redor da piscina azul do agente ilustre, rolam festas onde todos estão sob uma luz dourada de um eterno por do sol, desfilando roupas com toques dos anos 30, de Susy Benzinger, que poderiam ser usadas hoje.

E como o tio Phil é muito ocupado, com a agenda repleta de almoços, jantares e festas com gente importante, manda sua secretária Vonnie (Kristen Stewart, deliciosa) guiar o sobrinho pelos pontos turísticos da cidade. Ela é linda, jovem e usa com graça uma fita com lacinho no cabelo.

E, um clichê saboroso é encenado em torno a um triângulo inesperado.

Vonnie e Bobby, de tanto passear juntos, de amigos passam a namorados e ele planeja voltar para Nova York, casar com ela e ser feliz num apartamento em Greenwich Village:

“- Não vamos ser ricos mas felizes. Eu vou mimar você.”

Vonnie parece encantada mas há algo que a prende a um outro misterioso namorado. Ela não escondeu dele esse caso que já dura um ano.

“I Only Have Eyes for You” toca enquanto eles vão ao cinema, a um restaurantezinho mexicano e à praia, onde se amam numa cena perfeita em que uma caverna enquadra o mar e emoldura o par enamorado.

Mas, como sabemos, nada disso vai durar e só resta a Bobby lamentar que a vida é uma comédia, escrita por um comediante sádico.

O clichê vai até as últimas consequências e um desolado Bobby volta para Nova York para trabalhar com o irmão Ben (Corey Stol), um gangster sem escrúpulos, que vai ter um fim previsível, com um toque de humor negro preciso.

O “nightclub” do irmão é o lugar onde todos que contam estão se divertindo e daí o título do filme.

“I’ll take Manhattan” será a trilha musical para um reencontro de Bobby, já casado com outra Veronica (Blake Lively, bela), também apelidada Vonnie, com a primeira Vonnie. Linda a cena no Central Park onde a luz é branca e brilhante no mármore da ponte e no vestido dela (Vittorio Storaro é o fotógrafo, ganhador de três Oscars, impecável e inspirado).

Mas como diz a música “Anos Dourados” do Chico, “é desconcertante rever o grande amor”.

Woody Allen, 80 anos, está mais em forma do que nunca. Fazendo o narrador do filme, ele acrescenta inflexões próprias à história que está sendo contada. E é muito simpático ouvi-lo, como se fosse nosso amigo de longa data. Cria-se uma intimidade entre ele e a plateia.

Já sabíamos que Woody Allen é um romântico que não crê na vida eterna mas no grande amor que marca as pessoas justamente por não ter sido vivido.

Há beleza e saudades em “Café Society”, que abriu o Festival de Cannes desse ano e principalmente uma nostalgia dos nossos anos dourados.

“Café Society” é cheio de charme e imperdível.

 

Francofonia: Louvre sob Ocupação

“Francofonia: Louvre sob Ocupação”- “Francofonia”, França, 2015

Direção: Aleksander Sokurov

“- E se o Louvre fosse mais valioso do que a própria França?”, pergunta em meio a seu último filme, o brilhante diretor e roteirista Aleksander Sokurov, que tem formação de historiador.

E sua tese é que não podemos viver sem museus porque é lá que encontramos nossa história e identidade:

“- O Louvre fala dos homens. Do que mais?”

Como narrador, o diretor caminha com a câmara pelos corredores e salões do museu, inaugurado em 1793, capturando a beleza e a grandiosidade das telas penduradas em suas paredes:

“- Tudo que existe está aqui. Um templo dedicado à pintura”, exclama Sokurov, nesse original documentário com ficção.

O primeiro grande quadro que vemos é de Géricault (1791-1824), “Le Radeau de la Méduse – A balsa da Medusa”, pintado em 1818-1819. É uma metáfora sobre o perigo de perdermos tudo: a arte e a vida.

Sokurov contrapõe a essa metáfora do século XIX , a de um navio em alto mar, que ele vê pelo Skype, em meio a uma tempestade. Grandes ondas castigam a embarcação que leva uma preciosa carga de um museu em “containers”. Diz o diretor:

“- Assim como o oceano, as forças da História não tem piedade…”

Marianne (Johanna Korthas Altes), a mulher que simboliza a França Republicana é perseguida por fantasmas nos corredores do Louvre e repete sem cessar, assustada:

“- Liberté, egalité, fraternité”, o lema da Revolução Francesa.

Napoleão (Vincent Nemeth) é outro personagem que anda pelo Louvre mostrando a Sokurov tudo que ele pilhou em suas campanhas militares em países longínquos.

“- Nenhuma cidade está a salvo de um desastre.”

Com essa frase, o diretor introduz a história da ocupação de Paris pelos alemães em 1940, quando foi considerada uma “cidade aberta”. Conta sobre os franceses que lutaram, os que fugiram e os que se resignaram.

Alemanha e França assinam um armistício mas quem garante como vai se portar o invasor daquele centro de cultura que é Paris?

Sokurov usa atores para encenar o episódio da salvação das obras de arte do Louvre pelo diretor Jacques Jaujard (1895-1967), ajudado pelo alemão responsável pela conservação das obras de arte e monumentos dos países ocupados, Conde Franz von Wolff Metternich (1893-1978).

Antes da ocupação, 6.000 caixotes contendo tudo que havia no Louvre foi levado para lugares escolhidos. Só deixaram algumas esculturas e os afrescos.

E quando Berlim pedia que o conde alemão trouxesse de volta as obras de arte do Louvre, ele se valia da burocracia para impedir que os poderosos que cercavam Hitler pilhassem o museu.

É um filme diferente do famoso “Arca Russa” de 2002 de Sokurov no qual, em uma só tomada, conta a história da Rússia nos últimos 200 anos, filmando pelos salões do museu Hermitage, em São Petersburgo.

“Francofonia”, onde Sokurov usa imagens de arquivo alternadas com outra belíssimas que ele filma na atualidade, é um filme que ensina não só a história do Museu do Louvre mas que traz reflexões de Alexander Sokurov sobre a arte e seu papel na vida da humanidade.

Imperdível para quem ama a arte europeia e Paris, lugar onde estão os seus maiores tesouros, no museu dos museus, o Louvre.