Ricki and The Flash – De Volta para Casa

“Ricki and The Flash – De Volta para Casa”- “Ricki and The Flash”, Estados Unidos, 2015

Direção: Jonathan Demme

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Um rosto enche a tela.

É Meryl Streep, a multifacetada atriz, fazendo Ricki, a roqueira de trancinhas do lado, cabelo comprido e unhas prateadas, sob uma luz azul neon. Ela, na guitarra e vocalista, comanda a banda The Flash.Todos os integrantes passados dos 60.

Eles tocam e ela canta “American Girl” e é aplaudida pelo pessoal num bar da Califórnia.

“- Eu adoro você, Ricki!” grita o barman.

“- Essa foi a “American Girl” de 77 e me orgulho de ser uma, nascida no melhor país do mundo! Somos a banda que está nessa casa desde 2008, o ano em que elegemos vocês sabem quem…” e faz uma careta.

Pronto. Apaga-se Meryl e passamos a ver Ricki Rendazzo, de carne e osso, forte, encrenqueira, mulher de opinião própria e irreverente.

Só que, para ser como ela é, teve que abdicar de muita coisa. Para ser livre e ter o palco no centro de sua vida, deixou muita gente de lado.

Linda Brummel abandonou marido e três filhos para levar a vida que escolheu.

E Greg (Ricky Springfield), seu braço direito na banda, não tem o reconhecimento do lugar afetivo que ocupa na vida dela. E se ressente com isso.

Quando o celular toca e ela ouve a voz do ex (Kevin Kline) pedindo que venha ver Julie (Mamie Gummer, a própria filha da atriz) que está péssima porque foi abandonada pelo marido, ela sabe que não vai poder ignorar o chamado, do outro lado do país.

Mas a volta para o mundo que ela deixou não é uma coisa simples.

É aqui que o roteiro de Diablo Cody (Oscar por “Juno”2007) mostra a que veio, discutindo o porquê de uma mulher ser censurada por deixar os filhos para seguir uma carreira e o mesmo não ser cobrado dos homens. Mas são apenas tintas feministas, rodeadas de tiradas clichês, sobre a vida burguesa versus o desprendimento e o charme  da vida boêmia, num filme para divertir e a plateia admirar a versatilidade de Meryl Streep.

Bem, uma boa dose de egoísmo é necessária para a sobrevivência, disse Freud, mas, no caso de Ricki, a auto-complacência se alia a um egoísmo gigante. E ela vai se deparar com acontecimentos que vão mexer com ela.

O filme, dirigido pelo também oscarizado Jonathan Demme, 71 anos (“Silêncio dos Inocentes”1991), é aquilo que é: uma oportunidade de ver uma excelente atriz metamorfosear-se no que ela também pode ser e já mostrou em “Mamma Mia!”, em 2008. É uma ótima cantora.

 

O Diário de uma Camareira

“O Diário de uma Camareira”- “Journal d’une Femme de Chambre”, França, Bélgica, 2015

Direção: Benoit Jacquot

A beleza, aliada a uma certa postura atrevida e ambiciosa, pode ser uma maldição para uma mulher sem posição social, nem dinheiro, parece querer dizer o filme de Benoit Jacquot, adaptação do livro do francês Octave Mirbeau, de 1900, que conta a história de uma arrumadeira, no começo do século XX. Outro desejo dessa história é olhar a classe alta pelos olhos de seus empregados, principalmente mulheres.

Célestine (a belíssima Léa Seydoux) é uma arrumadeira fina e jovem que já trabalhou em algumas casas da elite francesa e não tem uma boa opinião sobre seus patrões.

Ela parece um quadro de Renoir quando aparece na tela com um vestido azul petróleo, enfeitado de rendas, que realça sua cintura fina. Seu rosto é perfeito, olhos azuis sob longos cílios, boca petulante e cabelos louros num coque de cachos no alto da cabeça e chapéuzinho com fitas.

Tanta elegância não condiz com seu estado de desempregada e destoa das outras que foram procurar emprego na mesma agência. A aparência já nos diz algo sobre Clémentine. Ela sabe que é bonita. E gosta de atrair os olhares dos homens.

“- A senhorita é instável”, diz a dona da agência, que lhe oferece um cargo no interior.

Percebemos que censura Célestine por sua insubmissão.

“- Prometo me comportar bem”, responde a moça, olhos baixos.

Por que será que ela muda tanto de emprego?

Em “flashback”, ela pensa na única boa lembrança de sua vida com patrões. Na Normandia:

“- Não lhe ofereço uma posição alegre…Bem sei…”, diz a senhora que a contrata para cuidar do neto doente.

Em “off”, ouvimos ela dizer:

“- Basta me falar com doçura e eu aceito tudo que me pedem”.

O jovem doente melhora a olhos vistos com a presença de Célestine, vestida de azul céu, na praia com ele.

“- Você nunca mais nos deixará, meu anjo”, diz a avó.

Mas a paixão que ela desperta nos homens pode ser fatal e Célestine, de luto, vai parar na casa de um homem que só a quer na cama.

Até uma dona de um bordel elegante a aborda na rua em Paris, convidando-a a ser uma das suas “privilegiadas”. Ela guarda o cartão na bolsa e chora em silêncio.

O novo emprego que ela aceita, no interior, não é diferente dos outros. O patrão a assedia, a patroa implica com ela, ela fica só no mundo porque sua mãe morreu e o vizinho estranho faz propostas indecentes.

E Célestine fica conhecendo melhor o misterioso Joseph (Vincent Lindon), o homem que trabalha como cocheiro e jardineiro na mesma casa em que ela é arrumadeira. Fascista, anti-semita, ladrão e talvez até coisa pior, ele diz a ela que são parecidos e que a deseja. E ela se agarra a ele como numa tábua de salvação. Cansou de reclamar com frases entrecortadas, ditas em voz baixa. Aquilo que antes aflorava e era logo reprimido, sobe à tona e ela se deixa levar por sua parte mais censurada. Escolhe seu patrão.

Sua carência e ambição a controlam e ela o seguiria até o inferno.