Gravidade

“Gravidade”- “Gravity”, Estados Unidos/ Inglaterra 2013

Direção: Alfonso Cuarón

Oferecimento Arezzo

 

A doce curvatura da Terra azul preenche a tela. Silêncio.

Imagens deslumbrantes em 3D mostram pessoas que trabalham em trajes de astronautas no espaço, onde a vida é impossível, a 600 km do nosso planeta.

O grande passo que a humanidade deu, quando o primeiro astronauta pisou a Lua, segue seu curso. Homens e mulheres trabalham dentro e fora dos veículos espaciais que gravitam em órbita da Terra.

A Dra Ryan (Sandra Bullock), engenheira-médica, novata no espaço, conversa com Houston em terra firme, enquanto faz um reparo na nave. Chega perto dela outro astronauta, o veterano Matt Kowalski (George Clooney), que consegue pegar um parafuso que se soltara da mão dela.

“- Desculpe. Eu trabalho num laboratório onde as coisas caem no chão”, brinca ela.

Os dois ouvem Houston informando:

“- Uma estação russa foi atingida e criou uma nuvem que pode atrapalhar vocês.”

Mas eles trabalham tranquilos.

“- A vista daqui é inigualável”, diz Kowalski olhando para a Terra. E continua:

“- O que você gosta mais aqui?”

“- Do silêncio”, responde ela.

“- Tenho um mau pressentimento sobre essa missão. O mesmo que senti em 19997 num Carnaval…” e ele continua a contar um caso, quando ouve-se uma voz alarmada:

“- Explorer! Aqui é Houston. Missão abortada. Restos de um míssil atingiram outra nave e a nuvem de detritos é perigosa.”

Kowalski diz para a dra Stone:

“- Melhor voltarmos.”

De repente, toda aquela aparente tranquilidade se transforma em desespero e terror.

Assistimos a tudo apavorados, como se estivéssemos lá, com eles. De um momento para o outro, a nave é atingida e a Dra Stone é arremessada para longe e cai para cima, em direção a um vazio de um turbilhão de estrelas.

Com o coração apertado, escutamos sua respiração curta, em estado de pânico e a vemos girando e girando.

“Gravidade” é um filme que toca a todos os humanos, porque trata de nossos medos mais primitivos. Faz com que a plateia sinta o perigo mortal e lento da asfixia, o pavor de cair para sempre e o horror de sentir-se impotente para controlar uma situação que pode ser aniquiladora.

Nossa fragilidade está em primeiro plano, companheira de uma solidão total.

E o paradoxo, que tanto o roteiro como o modo de filmar  da câmera nos mostram, é que, apesar de percebermos que somos como a Dra Stone, um quase nada perante a força da destruição à volta dela, também somos aquela fagulha humana que consegue recuperar o controle e ter esperança.

O filme concretiza uma condição psíquica depressiva, claustrofóbica, na qual se é levado a crer que a morte, o largar-se, seria a única opção. Mas ir até o limite do insuportável, faz descobrir novas forças e coragem para enfrentar o que se imaginava, antes, que era uma situação sem saída.

Não à toa, a Dra Stone vivia na Terra um luto patológico. Precisou quase perder a vida para valorizá-la e acreditar de novo em razões para viver.

A fotografia de Emmanuel Lubezki cria imagens que guardamos como quadros em nossa mente, enquanto que o roteiro, co-escrito pelo diretor mexicano de 51 anos, Alfredo Cuarón (que dirigiu o aclamado “Harry Potter e o Prisioneiro de Askaban” 2004) e seu filho, o também diretor Jonás Cuarón, conta uma história simples e terrível, quase sem diálogos e alguns monólogos.

Sandra Bullock consegue mostrar um talento, até então escondido, que comove. Seja no corpo cansado, assumindo a posição fetal, flutuando, quando consegue se livrar do pesado traje de astronauta, seja em seu rosto expressivo, olhando a inesquecível lágrima que flutua em frente aos seus olhos. Momentos que são o umbigo emocional do filme.

“Gravidade” beira o sublime. Imperdível.

O Capital

“O Capital”- “Le Capitale”, França, 2012

Direção: Costa-Gravas

“O Capital”- “Le Capitale”, França, 2012

Direção: Costa-Gravas

 

Ninguém dava nada por ele.

Assistente “faz-tudo” do presidente do Banco francês Phoenix, chegou até a escrever um livro para ele. Com o tempo, tornou-se indispensável para o patrão mas permanecia apagado aos olhos dos grandes executivos.

Foi assim até que o todo poderoso do banco ficou doente.

Para surpresa geral, o assistente foi indicado como sucessor pelo próprio presidente. Mas ninguém se preocupou com isso. Para todos, seria uma marionete nas mãos dos que mandavam no banco.

Grande engano. Empossado, Marc Tourneil vai aguçar o olhar e mostrar os dentes.

Sua ascensão vai ser fulminante. E os métodos que ele vai empregar nessa subida, detestáveis.

Marc (na pele de Gad  Elmaleh, marroquino, 42 anos, noivo de Charlotte Casiraghi, 27 anos, filha de Caroline de Monaco) vai mostrar a todos a que veio. Inteligente, frio, muito ambicioso, ele adora o poder.

“- Eles querem um presidente barato”, diz para sua mulher (Natasha Régnier).

“- Mas 150 mil euros por mês não são suficientes para você?”

“- Dinheiro é poder. Eu quero mais. Assim serei respeitado.”

E contrata um ex-policial para investigar tudo e todos.

“- Vasculhe o lixo. Quero saber quem está contra mim.”

E já como presidente, toma decisões nada ortodoxas. Sua primeira medida é anular o crédito para pequenas empresas, que tem baixo retorno e acabar com os projetos ligados a novas tecnologias visando a proteger o meio ambiente:

“- Vou por no mercado os produtos tóxicos. Para a imprensa, sublinhem nossa preocupação com o crescimento da Europa.”

Mas um grupo de acionistas americanos, que tem um porta-voz duro (Gabriel Byrne), quer comprar o banco francês e não pagar nada por ele. Para isso precisam que o novo presidente trabalhe para eles. Toda espécie de suborno e ameaças são usados. Como isca, uma top-model, na fraca interpretação da modelo Liya Kebede, faz um jogo de sedução que envolve o deslumbrado Marc.

Aqui vemos claramente que Costa- Gravas não quer denunciar só um sistema financeiro mas quer mostrar a mentalidade dos que estão circulando em torno a ele.

Marc Tourneil só se interessa pelo jogo da conquista. Corre atrás da moça e a suborna com empréstimos cada vez mais altos. Mas para quê? O desejo dele está envenenado e sua libido só responde a triunfos.

As demissões em massa valem bônus para ele. Trinta milhões de euros. Marc consulta um especialista em “off shores”:

“- É na crise que se fazem as grandes fortunas. Mas precisamos proteger nosso dinheiro”, comenta o consultado.

Com o roteiro adaptado do livro de 2004 de Stéphane Osmont, pseudônimo de um executivo que trabalhou no governo francês e em grandes instituições financeiras europeias, “O Capital”, alusão ao livro de Karl Marx, descreve muito bem o sistema reinante, o capitalismo “cowboy” dos acionistas americanos e, principalmente, o perfil psicológico raso daqueles que mandam no dinheiro, alheios aos pequenos e pobres.

Marc Tourneil, intitulado o “Robin Wood dos ricos”, tem um tom de farsa e ironiza aqueles que gravitam em torno ao dinheiro, que é o que traz poder no mundo de hoje.

Aos 80 anos, o diretor grego naturalizado francês, de filmes políticos antológicos como “Z”1969, sobre a ditadura militar na Grécia e “Desaparecidos”1982 sobre o Chile, ainda sabe conquistar o público. Em “O Capital” seu tom é de sarcasmo e de denúncia da frieza e desumanidade do mundo financeiro.

O ritmo do filme tem suspense e a produção de arte se esmera nos detalhes que mostram riqueza. Assim, vemos coquetéis nos salões exclusivos do Louvre, desfiles de alta costura, jatinhos, barcos com champagne e mulheres à vontade, restaurantes e hotéis de luxo e escritórios decorados com mestres da pintura que valem milhões. Mas não há alma nesses cenários maravilhosos. Só cobiça e jogo sujo.

“O Capital” ensina a quem não sabe, sem perder o humor sarcástico e sem medo de denunciar os males dos nossos tempos.