Espelho, Espelho Meu

“Espelho, Espelho Meu”- “Mirror, Mirror”- Estados Unidos 2011

Direção: Tarsem Singh

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A conhecida história da Branca de Neve dos livros de nossa infância e do desenho inesquecível de Walt Disney (1938), ganha roupagens novas em “Espelho, Espelho Meu” mas, no fundo continua a mesma fábula.

“Espelho, Espelho Meu” tem os ingredientes necessários para ensinar que toda donzela tem um pai que é uma fera, que a mãe pode ser madrasta na adolescência da menina, que beleza apenas não põe a mesa, como diz o ditado e que um príncipe é sempre muito bem-vindo, mesmo que seja só bonito e bobo.

À beira de um lago azul, cercado de florestas verdes, em cima de uma coluna negra de rocha, de frente para o abismo, lá está o castelo onde vive prisioneira a princesa (a lindinha Lily Collins, uma mistura de Audrey Hepburn e Leslie Caron) e a madrasta má (a ótima Julia Roberts) tão inteligente e bela quanto voraz e onipotente.

A conhecida rivalidade e a inveja entre as gerações femininas é o centro da história e sempre será.

E então entra em cena a magia que, negra ou branca, todos temos dentro de nós mesmos.

Em belíssimas cenas escurecidas, Julia Roberts mergulha no espelho líquido do seu quarto e vai para um lugar onde outro espelho, outro reflexo dela, aconselha a ter cuidado com esse plano de fazer Branca de Neve desaparecer.

Do alto de sua arrogância, ela não ouve a si mesma e vai se dar mal. No fim, vai ter que provar do próprio veneno.

O diretor indiano Tarsem Singh conta a história antiga com sabores novos. Há um humor afiado que, às vezes, se perde na tradução e, decididamente, há uma guinada na imagem dócil e caseira de Branca de Neve. Aqui ela veste calças para lutar e defender os seus direitos.

Mas não deixou de ser meiga e solidária. Os passarinhos foram substituídos pelos pobres súditos da rainha má, que Branca, politicamente correta, salva da expoliação que sofrem naquele reino.

É hilário o “spa”da rainha, que ironiza o que algumas mulheres passam para parecer uns anos mais jovens e, nem sempre conseguem. Muitas risadas com as abelhas-botox picando os lábios de Julia Roberts, as máscaras malcheirosas e as ferroadas do escorpião para tirar a celulite.

Os anões, que agora são ladrões, brincam com a ideia do politicamente incorreto, bancando os marginalizados que se revoltam e retribuem maldade com maldade.

E os figurinos? Roubam a cena. São tão lindos e pomposos os vestidos de Julia Roberts, com menção especial ao vestido de noiva, todo em pétalas brancas, que distraem os nossos olhos do resto.

Branca de Neve de cisne, no baile à fantasia em que conhece o príncipe (Armie Hammer) e com a gueixa revisitada do vestido que usa no seu casamento, é simplesmente uma visão. Isso para não falar dos intrincados figurinos da corte, feitos com uma incrível imaginação.

Eiko Ishioda, a figurinista quem o filme é dedicado, morreu em janeiro último. “Espelho, Espelho meu” foi o seu último trabalho. Grande perda para a fantasia no cinema.

E, no final, Hollywood se inclina perante Bollywood. Branca de Neve canta e todos dançam como se estivessem em Mumbai. Sinal dos tempos.

“Espelho, Espelho Meu” tem lá os seus encantos. Quem ainda é ou já foi uma garota, vai apreciá-los.

Heleno – O Principe Maldito

“Heleno – O Principe Maldito” Brasil, 2011

Direção: José Henrique Fonseca

A vida dele foi uma ópera. E o filme começa no 3º ato, o mais dramático.

A câmara nos mostra Heleno, vivido por um Rodrigo Santoro surpreendente, 12 quilos perdidos, uma sombra de si mesmo, quase irreconhecível. Vê-se um homem muito magro, cabelo ralo, dentes ruins, olhar desfocado, arrancando da parede pedaços de jornal onde se leem as manchetes:

“O casamento de Heleno mexeu com a Cidade”, “Heleno é o mais novo membro do Clube dos Cafajestes”, “Dupla personalidade de Heleno de Freitas”, “Destempero de Heleno – Caso perdido” e outras mais que cobrem todo o nosso campo visual.

“- Serei lembrado, vocês não”, balbucia, “eu não preciso do carinho de vocês. Eu brilho.“

É um choque para quem não sabe nada sobre a vida de Heleno de Freitas (1920-1959), um dos maiores craques de futebol que o Brasil já teve e que empolgou as torcidas, jogando pelo Botafogo nos anos 40.

Mas, na verdade, o filme não é sobre futebol. Nem mesmo é a biografia de Heleno, porque muitos dos fatos mostrados no filme não aconteceram, nomes foram trocados, nada é muito explicado, para que o mito criado possa começar a aparecer na tela em cenas que são esparsas e não cronológicas.

Ao som de árias do “Cavalheiro da Rosa”, o vemos jogando na chuva e a torcida vibrando com um gol. Ele tira a camisa e, com o olhar esgazeado, joga-a para a multidão que grita seu nome.

E o homem elegante, que nasceu de uma rica família mineira, bacharel em Direito e bem relacionado com a elite carioca da época que o Rio de Janeiro era capital do Brasil, vai ser mostrado aos poucos.

E o que vemos é um ego descomunal, alguém que se considerava o melhor de todos e que por isso, não aceitava regras e nem conhecia limites.

Mulherengo, exibido e claro, sem noção da própria fragilidade, era presa fácil dos vícios que entorpecem. Fumando sem parar, bebendo muito e cheirando éter, seu caminho em direção à queda foi anunciado a todos, menos a ele mesmo.

Briguento no campo e na vida, pisava duro e maltratava os companheiros no jogo e nos vestiários.

Sedutor, passava de mulher em mulher nas boates do Rio. O Cassino da Urca e o Hotel Copacabana Palace eram o seu mundo. Uísque e champagne a rodo, arrogância e desprezo por quem mostrava algum cuidado com ele.

A bela Alinne de Moras vive Silvia (Ilma na vida real), a moça com quem se casou e teve um filho. Mas o casamento era um tal inferno para ela, que Heleno nunca conviveu com o filho, que ela afastou dele.

Acabou internado em um hospício em Barbacena, com sífilis, já em estado avançado.

Morreu aos 39 anos, louco e paralisado, depois de 5 anos de internação, tendo como único apoio o carinho do enfermeiro (Mauricio Tizumba, comovente).

O filme é um tratado sobre o que pode acontecer com alguém que, cego pelo próprio narcisismo, não ouve nada e a ninguém e é guiado por um sabotador interno incansável.

Causa horror ver alguém se destruindo dessa forma…

Filmado em um luxuoso preto e branco, com a fotografia do premiado Walter Carvalho, tem cenas deslumbrantes, que impactam pela beleza estética.

Talvez quem goste de futebol fique decepcionado com “Heleno”. Já quem se interessa pelo ser humano e pela beleza trágica no cinema, vai ficar encantado.