A Chave de Sarah

“A Chave de Sarah” – “Elle s’appelait Sarah”, França 2010

Direção: Gilles Paquet-Brenner

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Todos se emocionam com “A Chave de Sarah”. No final, alguns tem os olhos marejados.

E é compreensível o porquê da platéia envolver-se com o clima criado por esse filme que tem uma trama que nos agarra e surpreende.

A história, que conta um fato real vivido por personagens de ficção, estende-se por quase 70 anos. Há um vai e vem do presente para o passado, conduzido pela jornalista americana que vive na França, Julia Jarmond (a maravilhosa Kristin Scott-Thomas) que investiga a história da deportação dos judeus da França, que nos pega de surpresa.

Pouca gente conhece esse episódio, que ocorreu na França ocupada pelos nazistas, na noite de 16 e 17 de junho de 1942, em Paris.

Grudados em nossas poltronas, presenciamos às cenas de impotência, lágrimas e desespero, quando 13.000 judeus foram arrancados de suas casas e levados para o Velódromo de Paris, de onde saíram para serem levados aos campos de extermínio.

A atuação das crianças é natural e convincente. Sarah é vivida por uma atriz-menina que é um talento raro (Mélusine Mayance). Ela é a figura central, em torno à qual giram os outros personagens da história.

O diretor Gilles Paquet-Brenner, que teve um avô judeu alemão casado com uma francesa e que foi um dos 6 milhões de judeus que morreram nos campos de concentração, sempre quis contar essa parte da história de sua vida. Não conseguia encontrar o tom até que, finalmente, inspirou-se no livro de Tatiana de Rosnay, que foi “best seller”na França, para poder fazer isso sem que o filme parecesse um relato autobiográfico.

“A Chave de Sarah” centra-se em perguntas: como tudo isso pode ter acontecido? Quais as consequências na vida das pessoas que sobreviveram a esse horror?

O colaboracionismo velado dos franceses fica exposto. Até o presidente da França, Jacques Chirac, aparece na TV com um trecho do discurso de desculpas formais dirigido ao povo judeu.

O drama pessoal da menina Sarah e o da jornalista Julia são chaves para as perguntas acima. Apontam para a culpa e a responsabilidade de cada um por seus próprios atos e suas decorrências.

Mais. Faz pensar na passividade frente ao drama do outro. Na falta de empatia, de compaixão, no virar as costas e seguir sem fazer nada.

Pior. Faz lembrar o egoísmo, a cobiça, a inveja, a maldade mas também as boas intenções que se mostram equivocadas.

“A Chave de Sarah” é um filme que agrada por causa da trama bem urdida, das interpretações impecáveis e porque nos faz pensar na vida.

Recomendo para quem e sensível e gosta de histórias bem contadas.

 

O Garoto da Bicicleta

“O Garoto da Bicicleta”- “Le Gamin au Vélo”, Bélgica/ França/ Itália, 2011

Direção: Jean-Luc e Pierre Dardenne

 

Qual é a maior necessidade de um ser humano?

Eu diria que é sentir-se amado e, principalmente, poder amar alguém. E que isso é visceral nas crianças.

A referência amorosa cria caminhos que nos levam de volta para casa. Casa que nos acolhe e que diz quem somos.

Graças aos irmãos cineastas, os Dardenne, à sensibilidade deles e claro, podemos inferir, à biografia amorosa dos dois, temos no cinema o encantador

“O Garoto da Bicicleta”, uma lição de amor.

Um menino, Cyril (Thomas Doret) e uma bela e intuitiva fada madrinha (Cécile de France) nos ensinam que, para começar, o amor precisa de dois para existir.

Se o pai de Cyril não pode ou não quer exercer essa função, o filho vai aprender que o coração, quando ajudado pela mente que estuda as experiências de vida pelas quais passamos, sempre encontra o caminho e a pessoa certa.

Mesmo que muitos erros aconteçam nesse procurar.

Afinal, como aprender sem se enganar e depois pensar sobre isso?

A bicicleta, aqui, é metáfora de liberdade, qualidade essencial que o ser que procura o amor precisa ter. Daí Cyril lutar com unhas e dentes pela sua.

Como pode encontrar o amor quem não circula?

Cécile de France, que nós vimos como a turista francesa que passa por um “tsunami” no belo filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, empresta todo o seu talento ao rosto sensível de Samantha, a moça sem ninguém que reconhece e vive com vontade o amor que aparece, de repente, em sua vida.

Ela mostra para Cyril que o amor não é passivo. Que ele vigia, conduz com firmeza.

Não sendo um sentimento fácil, exige muito dos dois que querem praticá-lo.

E como um fruto, o amor nasce verde e precisa de um ambiente favorável para amadurecer. Entre dias de sol e outros de vento e trovoadas, certamente.

Thomas Doret vive o menino abandonado no orfanato com alma. Seu rosto ensombrecido, emburrado, raivoso mesmo, vai se iluminando aos poucos, até o final do filme.

Os irmãos Dardenne ganharam o Grande Prêmio do Juri no Festival de Cannes nesse ano. Merecido, porque acertaram em tudo em “O Garoto da Bicicleta”.

E encerram sua lição de amor com uma bela chave: a melodia límpida, grave e delicada do adágio do Concerto para piano e Orquestra No 5, “Emperor”, de Beethoven.

Tocada por Alfred Brandel, um dos maiores pianistas vivos, a música nos embala e saímos do cinema pensando na nossa infância. Emocionados.