De Volta para Casa

“De Volta para Casa”- “A Moi Seule”, França 2012

Direção: Frédéric Videau

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A primeira sensação de estranheza é o letreiro na tela negra, com um texto que enfatiza que vamos assistir a um filme que é “fruto da imaginação de seu autor”. Somos alertados: “Não procure interpretar”.

Mas o que vem por aí? Pensam aqueles que não leram nada sobre o filme.

Um homem bravo ataca um colega com um soco, na marcenaria onde ambos trabalham.

Logo, o vemos dirigindo seu carro e entrando numa casa. Levanta um alçapão. De dentro sai uma mocinha.

Trocam algumas frases que não ouvimos e a vemos correr para a porta da casa, abrí-la e ganhar o caminho para o portão, que dá para a estradinha.

Ela para e volta-se para a câmara. Um último olhar e sai correndo pela estrada, ladeada de campos não cultivados e algumas árvores.

As cores são frias, de outono.

A mocinha chega numa parada de ônibus, senta-se e olha um velho cartaz na parede. Uma menina de uns oito anos está na foto, com as palavras “Ajudem a encontrar Gaelle”.

“De Volta para Casa” é a história de um sequestro que dura um pouco menos de dez anos.

Gaelle Faroult é interpretada com entrega total por Agathe Bonitzer quando o filme começa e ela é libertada por seu sequestrador Vincent (Reda Kateb). Quando criança é vivida por uma atriz que promete, a pequena Margot Couture.

Na sequência do filme, que vai e vem entre o relacionamento de Gaelle e Vincent e a tentativa dela de se ambientar com o mundo de fora, vemos a cena de uma menina, gritando e se debatendo, quando o homem a segura, assim que abre o alçapão:

“- Nunca vou tocar em você. Não vou te fazer mal.”

A menina cospe na cara dele.

“- Se você fizer isso de novo, vai ficar dois dias presa. Vai tomar banho?”

“- Vai me matar?”

“- Não.”

“- Posso voltar para casa?”

“- Não. Me chamo Vincent.”

Ele espera do lado de fora do banheiro. Quando a menina sai, ele pergunta:

“- Gosta de bife com batata frita?”

“De Volta para Casa” tem seu diretor como roteirista e conta a história de uma menina de oito anos que vive quase dez anos com seu sequestrador. Ele é tudo para ela. Aquele que alimenta, que cuida de sua saúde, que a ajuda a fazer os deveres de casa como se estivesse na escola, que lhe compra livros e roupas. Ele é mais que uma mãe, é também um pai, amigo, professor, namorado. O mundo todo para ela, que passa parte da infância e quase toda sua adolescência a sós com ele.

A relação de amor e ódio que Gaelle desenvolve com Vincent é compreensível.

Aqui, a ”Síndrome de Estocolmo” ganha um colorido especial porque é quase que a única história que Gaelle viveu.

Essa síndrome ataca quase todas as vítimas de sequestros, que desenvolvem relações afetivas com seus carcereiros porque dependem tão absolutamente deles, que a vida que lhes é poupada, o alimento dado, o sono concedido, são lidos por afetos arcaicos como sendo uma réplica da relação com a mãe e seu bebê indefeso. Se ela não quiser que ele viva, o bebê morre.

Daí os laços fortes e, aparentemente inexplicáveis, em quase todos os casos de sequestro conhecidos e que duram depois da libertação dos sequestrados.

Já a personalidade do sequestrador Vincent e o por que do sequestro de Gaelle ficam na penumbra. Parece que ele, que não tem nenhuma vida social, precisa ser tudo para alguém. Necessita dela e assim, fica borrada a relação de poder que se estabelece.

“De Volta para Casa” é um filme que conta com atores excelentes e bem dirigidos e uma fotografia que ajuda a detectar a qualidade dos afetos.

Quem gosta de indagar a natureza humana, precisa ver “De Volta para Casa”, um olhar sofisticado sobre as nossas sombras.

 

 

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Polissia

“Polissia”- “Polisse”, França 2012

Direção: Maiwenn

“Polissia” é um filme que machuca. Escrito como se fosse por uma criança, o titulo do filme e o cartaz chamam a atenção.

O assunto é difícil. Pessoas mais sensíveis podem ficar chocadas. Não que haja cenas explícitas mas porque é duro conviver com esse assunto.

Sabemos que a violência contra crianças e adolescentes acontece, na maioria dos casos, dentro de casa, envolvendo pais, irmãos, tios, padrastos, avós. Gente que é do mesmo sangue das vítimas.

E não escolhe classe social. A violência com as crianças tanto ocorre na favela como nos palácios.

O filme conta a dura história das pessoas que trabalham na Brigada de Proteção ao Menor em Paris. São policiais, homens e mulheres, que tem que lidar com estupros, pedofilia, maus tratos e exploração de menores, quando não com drogas e sequestros.

“Polissia” conta a história de vários personagens, envolvidos em episódios baseados em fatos reais, abordados com coragem e mostrando como ficam abalados os policiais que estão ali para proteger as crianças. Para complicar, gente como a gente, eles tem seus próprios problemas e conflitos. É uma mistura que pode ser explosiva.

A diretora Maiween também atua, fazendo uma fotógrafa, incumbida de retratar o dia a dia da Brigada, que muitas vezes é vista como intrusa e delatora da violência sutil que ocorre entre os policiais e os acusados de envolvimento com os crimes contra as crianças.

O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2011 e oito César em 2012, o Oscar francês, incluindo melhor filme, diretor e roteiro original (escrito pela própria diretora e Emmanuelle Bercot), além de premiar três atrizes que fazem policiais da Brigada.

“Polissia” não mostra a conclusão dos casos que conta e, assim fazendo, toca numa ferida que a nossa sociedade atual ainda não foi capaz de resolver. Já sabemos, desde o século passado, o que foi dito por Freud, o pai da psicanálise, que tanto estudou a natureza humana e descobriu a sexualidade infantil. Ou seja, crianças inocentes fantasiam e acreditam piamente nas histórias que contam e que nem sempre são verdadeiras.

Isso acrescenta uma responsabilidade a mais e um osso duro de roer para quem tenta encontrar vítimas e culpados nesse tipo de ocorrência, como é o caso da Brigada de Proteção ao Menor de Paris.

“Polissia” é um filme necessário, que faz com que pensemos sobre a fragilidade das crianças e adolescentes com que convivemos. Mas principalmente, naquilo que é difícil de encarar: a violência que dorme um sono leve nas almas das criaturas humanas e que não respeita nada quando acordada, se não houver quem a faça recuar.

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