As Confissões

“As Confissões”- “Le Confessioni”, Itália, 2015

Direção: Roberto Andò

Oferecimento Arezzo

Uma porta de vidro se abre e um cortejo de mulheres de véu, muçulmanas, aparece. Atrás delas, um monge de hábito claro e cabelos brancos. Estamos num aeroporto.

O monge chama nossa atenção. O que faz ele na lojinha? Compra um gravador.

Na saída, observa crianças que se distraem com um espetáculo de um mágico na calçada: levitação. Velhos truques que sempre funcionam.

Intrigante, o filme do siciliano Roberto Andò segue o carro que leva o monge. A câmara faz isso do alto. E esse ângulo será usado algumas vezes. Ora aludindo, talvez, à nossa pequenez, ora como que tentando um mergulho na cabeça de alguém, para descobrir seus pensamentos.

Um hotel magnífico, à beira mar, é o local onde vai ocorrer a reunião de representantes do G-8 com o presidente do FMI. Uma séria e contundente decisão deverá ser tomada e tudo indica que prejudicará os países mais pobres.

Ficamos sabendo disso através da famosa escritora de livros infantís, Claire (Connie Nielsen), que se apresenta ao monge Roberto Salus (Toni Servillo, excelente), que também é escritor. A eles se junta um músico de rock, meio esquecido. São convidados pessoais do próprio presidente do FMI. Dão a nota de humanidade à reunião daquelas pessoas frias.

E um acontecimento trágico vai mudar o rumo dos acontecimentos e colocar o monge em perigo. Pode ser que ele tenha ouvido, em confissão, segredos que, descobertos, colocariam o plano econômico em risco.

“As Confissões” é como se fosse um “Big Short – A Grande Aposta” metafísico. Faz também uma crítica ao sistema financeiro que se apoia em decisões tomadas sempre para o favorecimento do próprio sistema, sem nenhuma compaixão ou solidariedade com os que sofrem com essas decisões.

E pior ainda, mostra como esses representantes de países ricos, usam da crise, como a do desemprego, para tomar medidas severas, impostas ao povo como única saída para problemas criados pelo próprio sistema.

Mas é filosófico no sentido de lidar com uma crise de angústia do presidente do FMI (Daniel Auteil), que convida o monge porque sente a necessidade de ser escutado em confissão, na noite que precede à tomada da decisão que afetará um enorme número de pessoas.

Lambert Wilson aparece numa ponta e parece que ele tem a ver com a vida afetiva do presidente do FMI, homem frio e sereno mas que entra em crise existencial e solta seus demônios, trancafiados em seu peito não sabemos há quanto tempo.

“As Confissões” é um filme interessante, com cenários palacianos e atores bem escolhidos. A música de Nicola Piovani é forte e marcante.

Mas é Toni Servillo que é o centro das atenções. Grande ator, tem nos presenteado com interpretações inesquecíveis, com o próprio Andò que o dirigiu como os irmãos gêmeos em “Viva a Liberdade” de 2013 e com Paolo Sorrentino e dois filmes magníficos, “As Consequências do Amor”de 2004 e “A Grande Beleza”de 2013.

Vale vê-lo em “As Confissões”, como o monge que faz lembrar o Papa Francisco, que não esconde sua humanidade.

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Elle

“Elle”- Idem, França, Alemanha, 2016

Direção: Paul Verhoeven

A realidade não pode ser objetiva. É sempre subjetiva. Depende de tudo que somos nós. Mas, normalmente, sabemos o que é real e o que é imaginário.

Porém, em algumas pessoas, a fantasia extrapola a mente e se espalha pelos sentidos, fabricando alucinações.

Assim pensando, talvez possamos entender melhor a personagem da atriz extraordinária e sempre nova que é Isabelle Huppert em “Elle”, o novo filme do diretor holandês de 77 anos, Paul Verhoeven do famoso “Instinto Selvagem” de 1992.

Michèlle Leblanc é a personagem que vive sua história na tela. Presente e passado. E com ela, o que foi, será sempre o mesmo ou, pelo menos, o velho disfarçado de novo, fonte obsessiva de dor e prazer. Porque é lá, em seu passado que Michèlle ainda está e, por isso, quase todos os seus atos tem a ver com aquele pai que ela odeia. E ódio é sempre amor pelo avesso.

Aparentemente fria e sabendo o que quer da vida, ela comanda uma empresa que cria jogos, videogames violentos. Sua sócia Anna (Anne Consigny) é amiga antiga e o marido Robert (Christian Berkel), também trabalha lá e é mais íntimo de Michèlle do que se pensa.

O ex-marido Richard (Charles Berling) ainda é alvo de ciúmes de Michèlle, controladora e manipuladora. Assim ela é também na empresa que dirige. Temida e cobiçada, ela dirige os empregados, quase todos homens, com mão firme. Logo vão começar a surgir elementos explícitos de violência contra a patroa.

E um mundo cruel, de assassinatos, sangue e terror, está impresso numa foto antiga, que aparece na TV que fala de um assassino famoso. A “Ashgirl”, como a chamam, “Garota das Cinzas”. Ela nos olha em primeiro plano seminua, ensanguentada, na frente de uma fogueira, onde ardem objetos de uma casa. É a pequena Michèlle que também odeia a mãe.

Personalidade dividida, o que Michèlle aparenta ser, é muito diferente do que ela pode ser.

E quando a fantasia se mistura com a realidade, ela se masturba enquanto observa o vizinho atraente (Laurent Lafitte) com binóculos. E já não serão apenas alucinações ou fantasias que darão prazer a Michèlle pois agora há um parceiro real envolvido. Ela quer mais.

A primeira cena do filme, pela atitude do gato que a olha placidamente, é talvez a chave desse jogo que Paul Verhoeven administra na tela. De propósito, o diretor tenta nos envolver na trama de um estupro, que é dominação e prazer, levantando dúvidas no espectador. Gritos ou gemidos?

Michèlle é fruto de tudo que viu e vivenciou, com aquilo que nasceu com ela. E assim somos todos nós. Uns com mais sorte, outros marcados pelo sinal de Caim.

O suspense bem construído e original do holandês Paul Verhoeven é um filme intrigante e exemplar. Quem não tem algo de Michèlle em si mesmo?

Baseado no livro “Oh…”, 2012, de Phillippe Djian, “Elle” é o indicado da França para o Oscar 2017.

Vai dar o que falar.

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