Um Rapaz Adequado

“Um Rapaz Adequado”- “A Suitable Boy”, Índia, 2020

Direção: Mira Nair

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A Índia é uma terra vasta e antiga, muito colorida e com templos e palácios milenares, onde vivem pessoas com tradições e credos diferentes. E que até a Independência do colonialismo inglês conviviam com alguma harmonia. Mas a herança perversa do reino inglês foi a repartição da Índia. Os indianos que praticavam o hinduísmo, com vários deuses e a crença na reencarnação, ficaram com a Índia e os muçulmanos tiveram que partir, deixando tudo que era deles, para um país criado no norte, o Paquistão.

A Independência, no dia 15 de agosto de 1947, fez correr o sangue de uma multidão desnorteada que deixou aflorar um ódio represado. Mas ainda existem muçulmanos na Índia, a parte mais pobre da população.

E a história de “Um Rapaz Adequado”, filme dirigido pela também escritora, nascida na Índia, Mira Nair (“Um Casamento Indiano”2001, “Salaam Bombay”1988, “Mississipi Masala”1991, “O Relutante Fundamentalista” 2012 e “Nafas”2019), que começa em 1951, segue a vida de famílias indianas de religiões diferentes, mostrando através das relações humanas o sistema de castas que ainda rege os casamentos e o constante atrito entre hindus e muçulmanos, inclusive na política do país.

O filme é baseado no livro de Vikram Seth e foi adaptado por Andrew Davies para a série que tem 6 episódios.

A personagem principal Lata Mehra (Tanya Maniktala) tem 19 anos e a história se passa em Brahmpur, uma cidade fictícia no norte da Índia. Sua irmã mais velha, Savita (Rasika Dugal) casa-se com Pran Kapoor (Gajandey Riar), um professor da universidade onde Lata estuda.

A mãe delas é viúva, Rupa (Mahira Kakkor) há 8 anos mas a família toda sente saudades do pai. Isso inclue Arun (Vivek Gomber), casado com a exuberante Meenakshi (Shahana Goswami).

Agora, a missão da mãe de Lata é procurar “um rapaz adequado” para ela. Ninguém dá muita importância quando diz que quer continuar seus estudos de literatura inglesa. Lata terá que se casar ou trará vergonha para sua família.

E aparecem pretendentes. Lata vai se apaixonar por um estudante, Kabir Durrami (Danesh Razvi). E são lindas as cenas no rio sagrado ao amanhecer.

Outro ainda é Amit (Mikhail Sem), jovem poeta famoso e belo, irmão de sua cunhada, casada com Arun. Um tango dançado com sensualidade mostra a afinidade entre eles.

E por último surge Haresh (Namit Das) o mais humilde e trabalhador, fabricante de sapatos.

Outras duas famílias vão entrar na história e movimentar o cenário com amores proibidos, filhos naturais, suicídio, lutas sangrentas e uma cortesã, Saeeda Bai. Além disso tudo, os Kapoor, aparentados com os Meha pelo casamento de Savita, vão mostrar que pode haver boas relações entre hindus e muçulmanos, já que o patriarca dos Kapoor é Ministro do governo e tem como aliado político o muçulmano Nawab Sahib.

A Índia e suas tradições milenares é muito diferente do Ocidente. Nossa personagem Lata terá que tomar a decisão mais importante de sua vida, como ela mesmo se expressa, tendo em vista o que mais agrade à sua mãe e à família. Sua felicidade depende desse respeito que existe há muitas gerações.

“Um Rapaz Adequado” é um retrato de um país tradicional e belo, único no mundo, onde vive um povo que enfrenta com coragem e até resignação as dificuldades da vida.

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O Caderno de Tomy

“O Caderno de Tomy”- “El Cuaderno de Tomy”, Argentina, 2020

Direção: Carlos Sorin

Entre os assuntos que são tabu, a morte tem um lugar especial. Por que? Evitado e tido como pesado para a maioria. Falamos da morte dos outros mas pouco ou nunca pensamos na nossa.

Mas esse filme que conta sobre Maria (Valeria Bertuccelli) e seu marido é ótimo, justamente porque evita o dramalhão. Maria é uma pessoa leve e irônica e por isso sua atitude lança uma luz diferente sobre esse acontecimento que faz parte da vida.

Quando o filme começa, ela escreve, numa página em branco de um caderno novinho, uma dedicatória e em “off” ouvimos ela dizer:

“- Esta é a história do meu último desejo. Quero compartilhar com meu filho. Por isso esse caderno. Para que ele possa conhecer sua história. Só espero poder terminá-lo. ”

E como ela é uma pessoa carismática, logo sua voz faz-se ouvir nas redes sociais, tocando as pessoas. São frases no twitter que fazem rir:

“Tem pessoas que penduram um crucifixo em cima da cama. Eu tenho o soro. ”

Ela é amada e ama o marido e o filho pequeno, que é uma criança linda e adorável. Mas há poucas e belas cenas com o menino. O diretor evita usar qualquer coisa que soe como drama. As conversas nessas horas são mudas. Resguarda-se o que é só deles.

E aquela frase muito usada em situações como essa, de um câncer terminal, o “tudo vai dar certo”, não se ouve naquele quarto de hospital, onde os amigos são benvindos. Maria enfrenta a verdade com coragem e bom senso. Apesar de isso não ser nada fácil.

Ela nos emociona e ensina como deve ser o fim da vida.

Tem o apoio do marido e a alegria do filho (Julio Sorin) que corre para a cama dela, para o colo e o abraço. E a cena final da mãe e do filho são só imagens. As palavras são a intimidade sagrada.

E nós? Vamos ficar pensando em como será o que não sabemos mas que vamos viver. E talvez levantando o véu que esconde o assunto tabu, algo que só conhece quem vive, possamos aprender com Maria como se enfrenta o que é inevitável.

Um filme que faz pensar, baseado numa história da vida real que aconteceu na Argentina, onde Maria Vásquez, uma arquiteta com câncer terminal, ficou famosa por seus tuites bem humorados e sábios.

Sua vida virou livro e também esse belo filme.

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