A ilha do medo
“A ilha do medo” - "Shutter Island", Estados Unidos, 2010
Quer ver um filme de suspense, um “thriller” inteligente?
Assista “A Ilha do Medo” de Martin Scorcese. Sem medo de errar.
É uma obra prima na linha dos melhores Hitchcock, com direito até a uma escada em caracol como em “Vertigo – Um corpo que cai”, ou Brian De Palma de “Carrie, a estranha”, ou seja, os donos do gênero.
“Ilha do medo”, vindo do mestre Martin Scorcese, que alguns consideram o maior cineasta vivo, é um presente para quem gosta de bom cinema.
Surpreenda-se também com o talento do ator Leonardo Di Caprio numa interpretação soberba. É o quarto filme em que ele trabalha com o diretor (os outros três foram “Gangues de New York”, 2002, “O aviador”, 2004 e “Os infiltrados”, 2006, que deu o único Oscar de direção para Scorcese).
Em Berlim, quando o filme foi apresentado no Festival deste ano, Leonardo Di Caprio assim falou sobre o papel dele em “Ilha do medo”:
“É um personagem que se fragiliza e isso é irresistível para um ator. O que me atrai é a possibilidade de sondar a dor humana e de me expressar em diferentes níveis, inusitados para o público e para mim”.
O filme começa com uma tela branca e pouco a pouco vemos surgir um barco saindo de um espesso nevoeiro em um mar revolto. O detetive Teddy Marshall passa mal. Seu parceiro o ajuda.
Esse é o tom do filme que já nos assalta com apreensão. Desde o início sabemos que tudo vai ser pesado, encoberto, intrigante.
“Ilha do medo” é magistralmente filmado nas Boston Harbor Islands, um cenário sombrio e assustador. Grandes ondas se quebram sobre penhascos. Um manicômio judiciário é o único prédio da ilha que ostenta um misterioso farol.
Estamos em 1954. Dois agentes federais, Di Caprio e Mark Ruffalo, descem do barco e são recebidos por guardas armados com fuzis. Vieram investigar o desaparecimento incompreensível de uma mulher internada no manicômio de segurança máxima. Seu crime nefando fora o de matar os próprios filhos.
Ben Kingsley, que incarna o diretor do manicômio, é um dos psiquiatras que vai fazer as honras da casa à dupla detetivesca. O outro médico é interpretado por um ator que Ingmar Bergman adorava, Max Von Sidow.
Baseado no livro “Paciente 67” de Dennis Lehane, o roteiro, juntamente com a edição do filme, criam o clima de descobertas assustadoras que vão contando uma história sob o prisma do protagonista, o detetive de Di Caprio, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que testemunhou a libertação dos campos de concentração e que ficou marcado pelo horror e impotência do ser humano frente ao mal que vem do seu semelhante.
A investigação sobre o desaparecimento da interna filicida vai trazer à tona outros mistérios e tremendas inquietações. O detetive Teddy Marshall vai afundando aos poucos nesse lugar pantanoso.
E o espectador começa a partilhar de um obscuro conhecimento que se materializa em “flashes” que vão aumentando em tempo e se transformando em cenas no decorrer do filme. São pesadelos, delírios, alucinações?
Martin Scorcese mergulha fundo no universo da natureza humana que abriga em seu canto mais escuro o mal e a loucura. Como é difícil transitar nas fronteiras do ser…
Quando esse tema é desenvolvido no cinema por um diretor como Scorcese, que não se limita a querer meter medo nas pessoas, o resultado é assombroso.
Aqui os monstros crescem na sombra da alma humana. E assustam porque nos assaltam de dentro de nós mesmos.
A uma certa altura, o psiquiatra Crawley ensina que a palavra “trauma” vem do grego e significa “ferida” e que estas podem criar monstros que devemos deter dentro de nós.
A música é um elemento que pontua o filme e que faz crescer a emoção: o som pungente do violino da peça de Mahler, intervenções de uma orquestra com cordas lancinantes de John Cage, sons que nos remetem a gritos…
Vá ver esse momento privilegiado do cinema e aproveite a chance de refletir sobre suas próprias fragilidades.
Num mundo onde – na minha humilde opinião – ninguém quer ver as feridas internas e colocar tudo do lado de fora – que não deixa de ser uma piada, às vezes, porque alguém pode até estar dormindo com o inimigo, mas oh, a sagrada família nos ampara, nos apoia, é um porto seguro – é bom saber que Scorcese nos enfia goela abaixo, nossos medos mais recônditos ou como diz tão a eleonora: Aqui os monstros crescem na sombra da alma humana. “E assustam porque nos assaltam de dentro de nós mesmos.”Conclusão: vou me munir de coragem e vou ver esse filme e descobrir se, afinal, a mulher que matou seus próprios filhos foi encontrada.
Por puro preconceito, eu não imaginaria que Leonardo Di Caprio diria uma coisa tão bonita dessas:
“É um personagem que se fragiliza e isso é irresistível para um ator. O que me atrai é a possibilidade de sondar a dor humana e de me expressar em diferentes níveis, inusitados para o público e para mim”.
Essa possibilidade de sondar a dor humana, numa época onde se foge da dor, como o diabo foge da cruz, é digna de louvor.
Não sei se tem a ver, mas acho que tem: hoje eu estava num ônibus em São Paulo e tinha uma mulher possivelmente em surto, falando sozinha e muito brava com quem quer que ela estivesse falando na imaginação.
O cobrador começou a falar: – Esqueceu de tomar o diazepan, o gadernal.
A mulher, acho, nem ouviu.
Eu desci perto do Hospital das Clínicas, a mulher desceu atrás de mim e o cobrador botou a cabeça pra fora e continuou a dizer que ela tinha esquecido de tomar o diazepan.
Não sei o que me deu na pituca que eu disse a ele que a mulher estava doente e merecia respeito.
Ele respondeu que eu não esquecesse de tomar o diazepan, que logo era eu que estaria gritando por aí.
Muitas e muitas vezes, vi pessoas rindo, caçoando ou ficando bravas com alguém que esteja dando demonstração de estar em surto pelas ruas, como se aquilo fosse uma coisa muito engraçada e fico pensando que de todas as discriminações, a pior talvez seja com os loucos.
Pronto: falei.
Talvez eu realmente tenha esquecido de tomar o meu diazepan do dia… rsrsrs
Márcia Brandão Raposo, em 26 de março de 2010, às 22:11
Confesso que sai do cinema sem ter certeza de que havia gostado. Na verdade, não gostei. Os dias foram passando e eu reformulando com os meus botões. É genial, sim! Pesado. Mas genial!
Sylvia querida,
Você é sempre bem vinda! Acrescenta caminhos!Isso que você contou sobre a loucura no outro que serve para zombaria é muito triste… Mas também é uma defesa, não acha? Dá medo a loucura. Aí eu rio do outro como uma forma de mostrar que eu não sou assim. Nem nunca serei. E talvez, seja o caso do que zomba ter que tomar remédio também…Vai saber!
Beijos
Eleonora, sigo suas crônicas. Semana passada assisti “SINGLE MAN”, me nego a dizer o titulo em português… é um absurdo.
Este final de semana irei assistir “A ILHA DO MEDO”.
GK
GK,
Que bom saber que você gosta do que eu escrevo. E pelo visto gosta também de cinema como eu!Bons Filmes!
Beijos
This bitter earth”, Esta terra amarga:
No fim, tudo podia
Não ser tão amargo…
Nessa terra amarga
Para que serve o amor?
Olá Leonora, começo a conhecer suas crônicas,seu blog e quanto coisa boa vejo aqui!Obrigada.
Lendo os versos acima, lembro-me da morte de Kadafi hoje ou ontem, noticiada. Assim como serviram ao filme de Scorcese,servem agora também ao ditador.
Um abraço,Silvana
Silvana querida,
Essa terra é mesmo amarga e talvez o amor seja o momento doce que faz a vida valer a pena.Obrigada por gostar das minhas resenhas!
Beijos
6 Comentários
Minha Sinopse
Nasci em São Paulo, Capital. Sou a primeira filha de sete irmãos nascidos de Yvette e Octavio Pereira de Almeida, casada com Ivo Rosset. Estudei Psicologia na PUC de SP e Direito no Mackenzie. Sou psicanalista, membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP. Atendo em meu consultório há mais de 30 anos. Sempre adorei cinema, desde as sessões Tom e Jerry, passando pelo Cine Bijou até o saudoso Belas Artes. Meus filmes preferidos: “Morte em Veneza” de Visconti e “Asas do Desejo” de Wim Wenders.
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