A Favorita

“A Favorita”- “The Favourite”, Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos, 2018

Direção: Yorgos Lanthimos

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A opulência na qual vivia a Rainha Anne da Inglaterra aparece logo, na cena em que as damas de companhia a despem do manto e da coroa real. O quarto dela tem beleza e riqueza de bom gosto com tapeçarias suntuosas, móveis de madeiras nobres e flores, rosas e peônias em vasos preciosos.

Mas já se introduz aqui a ideia de que a rainha poderia estar perdendo algo importante, sem na verdade se dar conta disso. Ela mostra apenas um rosto amuado.

Porque, na verdade, quem usa o manto e a coroa, o poder do cargo, é a favorita, Lady Sarah Churchill, Duquesa de Marlborough (Rachel Weiz, maravilhosa).

Um corredor secreto une os aposentos dela com os da rainha. Elas cresceram juntas, se conhecem muito bem e a rainha precisa de Sarah, tanto na cama como no trono, aconselhando e tomando decisões em seu nome.

A Rainha Anne era casada com Jorge da Dinamarca e Noruega, Duque de Cumberland. Nem é citado no filme, a não ser indiretamente, já que os 17 coelhos que ela tem em pequenas jaulas no seu quarto lembram seus 12 abortos, ou bebês natimortos, 4 mortos na infância e um doente crônico, Guilherme, que morreu aos 11 anos.

Todos esses lutos explicam a depressão e a loucura da rainha? Em parte. Mas ela também sofria com uma saúde frágil e problemas na perna. Ficou manca aos 30 anos.

Foi a dor dessa perna que atraiu Abigail (Emma Stone, cativante) para o quarto da rainha. Buscou ervas na floresta próxima para fazer um unguento que acalmou a aflição da soberana.

Abigail era prima de Sarah Churchill mas sua família perdera tudo e ela era uma simples serviçal na cozinha do palácio. Mas era bonita, jovem, esperta e manipuladora. E sabia fazer cara de anjo e bajular a rainha e os poderosos do palácio.

O triângulo formado por essas três mulheres é o foco do filme.

Anne, interpretada pela atriz inglesa Olivia Colman, 44 anos (que já foi premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz e tem várias outras indicações, inclusive o Bafta, Oscar inglês) dá um show fazendo a rainha infantilizada, raivosa, insegura e sobretudo carente.

Já as outras duas trocam farpas, maldades, ciladas e mentiras, tudo para se alçar ao posto de favorita da rainha e obter privilégios.

Yorgos Lanthimos, o diretor grego de 44 anos, que muitos consideram um provocador, em “A Favorita” fala da natureza humana através de uma farsa sobre os poderosos e aqueles que circulam ao redor para obter vantagens. O século é o XVIII mas as pessoas são muito parecidas com as do século em que vivemos.

Ou seja, o poder atrai sempre cobiçosos, mentirosos, egoístas, inescrupulosos. Os donos do poder são o alvo de uma corja imensa. E, na verdade, não são muito diferentes dos que estão à sua volta.

“A Favorita”, líder de indicações para o Bafta, já está na lista de muitos prêmios para o filme, diretor, atrizes e merece também ser premiado pela produção de arte, fotografia e figurinos, além da trilha sonora.

A última cena é fascinante. Nos olhos de Olivia Colman passam temores, desilusões, luto, mas ela vai crescer como pessoa. Pelo menos encarou a realidade em que vive. Abriu os olhos.

Um filme esplêndido.

A Esposa

“A Esposa”- “The Wife”, Estados Unidos, 2018

Direção: Bjorn Runge

A aflição dele tem motivo. Escritor maduro, cabelos brancos, óculos, ele sabe que o vencedor receberá um telefonema na manhã do dia seguinte. Não consegue dormir e não deixa a mulher dele em paz. Ele espera aflito e quer companhia nessa espera.

E quando o telefone toca na casa do casal Joseph e Joan Castelman (Jonathan Price e Glenn Close) bem cedo, os pega adormecidos. Acordam sobressaltados e é ele que atende o telefone e ouve o que tanto esperara que acontecesse. De Estocolmo, uma voz dá a notícia. Ele é o novo Nobel de Literatura. Ela escuta na extensão e seu rosto em close expressa um maravilhamento nos olhos brilhantes.

Pulam em cima da cama como crianças.

E ficamos surpresos em ver, desde as primeiras cenas o quanto Joe é dependente de Joan. Ela toma conta do óculos dele, do comprimido e do casaco.

Na festinha à noite, os amigos se reúnem e quando chega o momento do discurso, ele só tem palavras de  agradecimento à sua musa, a esposa.

Ela fica claramente incomodada. Mas imaginamos que é por timidez. Ela seria uma mulher que gosta de ficar na sombra.

Mas, quando começam os “flashbacks”, encontramos uma outra Joan, aluna brilhante do professor Castelman. Ela é atraente e o professor, casado, se encanta com aquela mocinha que olha embevecida para ele. Joe vê nela não só a mulher atraente mas a promessa de uma companheira de vida, com talento na escrita e compreensão dos sacrifícios de sua profissão.

Sim. Joan é tudo isso e mais. Por décadas se dedica a ele, de modo tão exclusivo, que os filhos foram um pouco deixados de lado. Não seria exagerada essa dedicação a corrigir e datilografar os livros de Joseph? Uma secretária não poderia poupar Joan de tanto trabalho?

Mas o filme, adaptado do livro de 2003 de Meg Wolitzer, leva o casal e o filho David (Max Irons) para Estocolmo. No mesmo avião, era do Concorde, há um outro personagem (Christian Slater), um escritor que quer escrever a biografia de Joseph Castelman e quer falar sobre isso. Quando abordados, percebemos um intenso desagrado no casal.

Por que?

Durante toda a estada em Estocolmo vemos que Joan não está bem. Algo a incomoda muito.

Desse ponto em diante o filme vai nos surpreender. Dirigido pelo sueco Bjorn Runge o filme não se salienta por outra coisa que não seja a atuação dos excelentes Jonathan Pryce e Glenn Close em seus closes que mostram o talento imenso dos dois, em seus rostos expressivos.

Glenn Close já ganhou o Globo de Ouro, e é forte candidata ao Oscar, por sua interpretação magistral dessa mulher extremamente inteligente e talentosa mas insegura a respeito de seu lugar no mundo. Obviamente apaixonada pelo marido, ela ainda mantém a submissão juvenil ao professor que a domina. Talvez ela tenha se visto a vida inteira como uma mulher de muita sorte por ter sido escolhida por ele. E deixou-se explorar.

Daqui por diante ela vai se perguntar: valeu a pena?