Roma

“Roma”- Idem, México, Estados Unidos, 2018

Direção: Alfonso Cuarón

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Num preto e branco que tem cinza, nácar e infinitos tons de negro, ladrilhos lavados com água e sabão abrem uma janela de luz no chão, que reflete o céu. Aquele avião, que aparece no espelho d’água, vai passar de tempos em tempos sobre aquela casa de classe média alta no distrito de Roma, Cidade do México.

Mas a janela de água de Cuarón, o diretor, produtor, roteirista, fotógrafo e editor de “Roma”, abre-se também para o seu próprio passado. Voltamos ao início dos anos 70, no México.

E convivemos com uma família: o médico Dr Antonio (Fernando Grediaga), e sua mulher Sofia (Marina de Tevira) tem quatro filhos Tonio, Paco, Sofi e Pepe, o menor, em quem o diretor se projetou, e a avó Teresa.

O casamento vai mal mas as crianças são cuidadas com carinho e doçura por Cleo (Yalitza Patricio, uma novata talentosa), que é uma mexteco, vinda do seu “pueblo”, que também cuida da casa com Adela (Nancy Garcia). As duas são amigas e moram num quarto na edícula. Acima é a lavanderia, com tanques e varais, onde as crianças também vem brincar. E o cachorro Borras late como todos os outros nos outros terraços vizinhos.

Buzinadas marcam a chegada do Ford Galaxy do Dr Antonio, que mal cabe na estreita garagem da casa.

Durante o almoço, o país se introduz com Paco, que conta que viu um menino jogar sacos de água num jeep do exército e morrer com um tiro na cabeça.

“- Que horror ”, diz Cleo que servia a mesa. É a única a se manifestar.

Depois, um longo plano sequência mostra Cleo e Adela correndo pelas ruas, rindo. Vão encontrar os namorados, Ramón e Firmin. Uma dupla vai ao cinema e Cleo e Firmin a um hotelzinho, onde Firmin, nú em pelo, faz uma demonstração de artes marciais. Ela, amorosa, o recebe na cama e engravida sem saber.

Cleo é a personagem central de “Roma”, embora esteja sempre meio de lado e quieta. É doce e ingênua. Ama as crianças da família e é amada por elas. É ela que as leva para a cama cantando no fim do dia e é ela que as acorda, cantando, para não perder a hora da escola. É como se fosse um membro da família.

Entretanto há um México violento nas conversas entre os empregados da fazenda, onde dona Sofia com os filhos e Cleo vão passar o Ano Novo. Na cozinha, falam em voz baixa sobre os que morreram, vítimas dos conflitos sobre terras. E vemos, pela janela da loja de móveis, onde estão Cleo e a avó Teresa, o massacre de Corpus Christi, como depois foi chamado, quando cerca de 120 estudantes foram mortos numa manifestação, pelo exército e as milícias.

Cleo vê com seus próprios olhos assustados, Firmin atirar num homem que entrara correndo dentro da loja. Só então se dá conta de que Firmin era da milícia e entende os treinos de artes marciais.

Cuarón introduz na história um tremor de terra, incêndio na floresta da fazenda, sinistros bichos empalhados nas paredes e a taça quebrada por Cleo. São sinais do que virá?

Não sabemos. Assim como escutamos com surpresa o menino menor, Pepe, falar de suas vidas “quando era velho” para Cleo:

“- Antes de eu nascer, você estava lá também. Eu era piloto de avião e desci de paraquedas. Outa vez eu era marinheiro num navio e não sabia nadar. Morri durante uma tempestade. ”

Reincarnação? Vidas Passadas? Fantasia?

A belíssima cena na praia com ondas ameaçadoras, faz Cleo entrar no mar, sem saber nadar, para resgatar as crianças levadas pela correnteza. Depois ela chora abraçada com elas e confessa uma culpa que estava enterrada em seu coração. Desabafa e pode voltar para casa com o olhar sereno.

Há cumplicidade entre mulheres também. Dona Sofia diz para Cleo:

“- Por mais que falem ao contrário, nós mulheres, sempre acabamos sozinhas…”

No espelho do passado de Alfonso Cuarón, Roma é Amor.

E quem fica assistindo ao filme durante os créditos descobre que a Cleo dele era Libo, a quem dedica o filme.

No final, vemos escrito na tela:

“Shanti, Shanti, Shanti”, uma palavra que vem do hinduísmo que quer dizer paz.

A mensagem é de Cuarón, idealizador desse filme raro, que já ganhou o Leão de Ouro em Veneza, tem três indicações para o Globo de Ouro, melhor filme do ano para a crítica de Nova York e Los Angeles e está na primeira lista de nove filmes selecionados para competir pelo melhor filme estrangeiro.

Muitos prêmios mais virão, com certeza.

Colette

“Colette”- Idem, Estados Unidos, Reino Unido, 2018

Direção: Wash Westmoreland

Um gato e o chilrear de pássaros abrem a primeira cena do filme. Na cama dorme uma mocinha, na casa em Saint-Sauveur, interior da França.

“ – Acorde Gabrielle! O senhor Willy vem fazer uma visita logo mais. ”

Ela ia completar 20 anos e, não sabia ainda, mas ia se casar.

Sidonie-Gabrielle Colette (1871-1954), tornou-se uma conhecida e famosa escritora francesa, com mais de 80 livros publicados, entre eles os adaptados para o cinema, “Gigi” e “Chéri”, e a coleção sobre a personagem Claudine, inspirada nela mesma.

O filme do diretor Wash Westmoreland conta a história do casamento de Colette (Keira Nightley,encantadora) com Willy, aliás Henry Gauthier-Villars (Dominic West). Ela não tinha dote, era uma moça pobre e por isso seus pais (Fiona Shaw e Robert Pugh) preocupavam-se e torciam pelas visitas de Willy.

Mal sabiam que a filha já nascera um espírito livre, porque quando Willy se despedia, depois de falar muito sobre os prazeres em Paris, seguia para um certo galpão, onde Gabrielle aparecia para fazer amor. Ele, mais velho que ela mas atraente e um grande sedutor, encantou-se com “a menina das tranças” como ela era conhecida na região, por seu belos cabelos. Ela surpreendera Willy não só pela aparência mas pela inteligência.

Porém Colette vai se decepcionar com esse casamento. As infidelidades de Willy e o grupo de gente frívola que ele frequentava, nada disso atraia a mocinha, pouco versada nas modas e no exibicionismo dos salões parisienses na Belle Époque.

Por sua vez, as pessoas que conheciam Willy se surpreenderam com a mulher pouco sofisticada que ele escolhera para casar.

Acontece que o “bon vivant” Willy tinha hábitos luxuosos e gastava mais do que podia. Não era ele que escrevia os livros que levavam seu nome como autor mas “ghost writers”. Aliás Gabrielle descobre o segredo do marido porque eles cobravam aos gritos o que ele lhes devia.

Willy estava desesperado para encontrar alguém que escrevesse para ele. Sua mulher já se incumbia das cartas que ele só assinava, depois de copiar. Certo dia no campo, Gabrielle começa a contar suas aventuras de adolescente com a melhor amiga, com tal graça, que o marido a incentiva a escrever tais lembranças. Depois faz sugestões para apimentar o texto, tornando-o mais ao gosto dos homens da época.

Os livros de “Claudine”, assinados por Willy, fizeram muito sucesso e Gabrielle começa a perceber o outro lado do marido, um narcisista egoísta e mulherengo.

Bem, Colette vai nascer da raiva contida com que Gabrielle tivera que aguentar os desmandos do marido. Mas não por muito tempo. De submissa e discreta, Gabrielle vira Colette, dona de seu próprio nariz, sua sexualidade e seus livros. Ditou moda, fez teatro e causou escândalo com seu caso com Missy (Denise Gough), a marquesa de Bellbeuf, seu grande amor.

O filme tem a espetacular Keira Knightley como Colette, um papel no qual ela brilha, simpática e irreverente. Belos figurinos e produção de arte requintada, aumentam o atrativo de “Colette”, a história de uma passagem na vida de uma mulher que estava adiante de seu tempo.