A Amante

“A Amante”- “Hedi”, Tunísia, Bélgica, França, 2016

Direção: Mohamed Ben Attia

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A Tunísia é um país do norte da África, banhado pelo Mediterrâneo. Foi lá que começou a Primavera Árabe e o resultado foi a queda do regime de Ben Ali e uma transição democrática. Porém o país vive uma crise econômica.

Mas Mohamed Ben Attia, diretor e roteirista, não quer falar diretamente de política em seu filme. Seu foco é um rapaz de 25 anos, Hedi, que vai viver uma crise existencial num lugar onde a tradição ainda comanda a vida das pessoas, apesar dos ventos de liberdade.

Ele é vendedor de carros Peugeot mas logo vemos que seu trabalho não o entusiasma. Vai casar-se logo e fica sabendo que terá que adiar a lua de mel por causa da crise. Mas isso não parece afetá-lo.

Durante uma visita à casa da noiva de Hedi, podemos notar que sua mãe Baya (Sabah Bouzouita) é quem manda em sua vida. Esse casamento é arranjado e planejado sem a participação do filho. Hedi obedece. Parece que para ele tanto faz.

Khedija (Omnia Ben Ghali), a noiva, é uma moça bonita mas quase tão indiferente a Hedi quanto ele a ela. Em seus poucos encontros no carro dele à noite, não há nenhum sinal de paixão e a conversa é superficial e desanimada. Ela só mostra entusiasmo nas mensagens que envia para o celular de Hedi. Parece outra pessoa.

A paixão de Hedi são seus desenhos que sonha publicar um dia numa revista de quadrinhos. Mas sua mãe desdenha desse “hobby”. É evidente pela conversa na casa da noiva que a mãe não considera Hedi um filho de quem se orgulha, diferente do mais velho a quem ela só tece elogios. Falam todo dia pelo Skype porque ele mora na França e casou por lá. Conta, mentindo, que o maior desejo desse filho é voltar para casa.

Bem, tudo se daria conforme o que quer a mãe de Hedi, se não fosse por um encontro casual num hotel em Mahdia, onde Hedi fora enviado para prospectar novos clientes.

Ao ver a bela dançarina Rim (Rym Messaoud) no cenário tropical do palco ao ar livre, sorrindo ao cantar e dançar para os hóspedes, Hedi descobre pela primeira vez na vida o que é o poder de atração que uma mulher pode exercer sobre um homem.

A química entre os dois é perfeita e Hedi se apaixona a poucos dias do seu casamento. Aflora sua espontaneidade e ele se mostra carinhoso com Rim, que é um pouco mais velha do que ele. Eles se divertem e riem o tempo todo.

Mas ao viver toda essa felicidade e prazer, desconhecidos para ele até então, Hedi também vai ter que enfrentar seus limites como pessoa e decidir o que vai fazer com sua vida.

No Festival de Berlim o filme ganhou o Urso de Prata como melhor filme de diretor estreante e O Urso de Prata para o melhor ator, Majd Mastoura, que faz o papel principal.

Com o selo de qualidade dos irmãos Dardenne que figuram como produtores, “A Amante” é um interessante estudo psicológico do homem na tradição muçulmana, tão sujeito quanto a mulher à sua força, representada pela família.

A Época da Inocência

“A Época da Inocência”- “The Age of Innocence”, Estados Unidos, 1993

Direção: Martin Scorsese

Nova York, nas décadas finais do século XIX, era uma festa para uma rica aristocracia que em tudo imitava os ingleses. Os antigos colonizadores eram o modelo, seguido à risca, mas nunca igualado, talvez pela ostentação desnecessária e certamente pela falta de tradição.

A cena de abertura do filme acontece durante a ópera à qual poucos prestam atenção. Afinal, vestiram-se com primor e as joias das mulheres brilhavam na meia luz do teatro. Sendo assim, os binóculos mais se voltavam para a plateia do que para o palco.

Naquela noite, a grande novidade era o reaparecimento da Condessa Olenska que se casara na Europa e agora voltava para a América. Irá separar-se do Conde? É o que todos se perguntavam.

O divórcio era permitido por lei em circunstâncias comprometedoras para as mulheres e não era bem visto, nem aceito pelas famílias mais tradicionais.

Mas claro que no caso da bela Ellen, que pertencia a uma das mais influentes famílias daquela sociedade fechada, cabia aos interessados decidir o destino dela. A Condessa (Michelle Pfeiffer, belíssima) era uma mulher que buscava a liberdade, desdenhando das convenções rígidas que pautavam o comportamento de todos. Mas também queria preservar sua imagem aos olhos da sociedade, que não abertamente, ela desprezava. Ellen, que defendia a maior liberdade na intimidade, curvava-se mais do que queria ao que diziam os outros.

Archer Newland (Daniel Day Lewis, excelente), um jovem advogado atraente, foi falar com a noiva, May Welland (Winona Ryder) que estava num camarote com a mãe (Geraldine Chaplin) e a prima Ellen. Ele ficara visivelmente atraído pela recém chegada.

Era aquela a noite do baile dos Beaufort, imperdível, com seu salão de baile usado só nessa ocasião. E com que requinte. Várias saletas adornadas com obras de arte que mostravam a riqueza da família tinham que ser atravessadas para chegar ao salão.

No baile, Newland insiste que quer anunciar o noivado mas May o convence que não ficaria bem. Ademais, diz ela, já contara para todas as amigas, inclusive para a prima Ellen.

May é bonita mas juvenil e conservadora, em tudo obedecendo às regras não escritas daquela sociedade. Mas, dissimulada, saberá manipular os acontecimentos a seu favor.

Newland vai se apaixonar perdidamente pela Condessa mas esta tem seus segredos e subterfúgios. Não se sabe qual vai ser seu próximo passo. E esse amor proibido parece ter impedimentos intransponíveis. A obediência à tradição será o único obstáculo?

Através das relações sociais vemos que a decadência começa a esgarçar a malha que une as famílias tradicionais. Novos ricos conseguem lugares antes ocupados só pela tradição, que passa a casar-se com o dinheiro.

Martin Scorsese assina um filme de bom gosto, com produção de arte impecável. Figurinos elegantes, com detalhes que conseguimos ver só de relance, deram um Oscar a Gabriella Pescucci. A decoração das mesas é um capítulo à parte com louças, cristais, toalhas bordadas e flores requintadas. Nova York do fim do século XIX é recriada com esmero.

A voz expressiva de Joanne Woodard faz a narração nos momentos em que isso é necessário.

O cineasta que adaptou o livro de Edith Warthon (1862-1937) com Jay Cooks, trabalhou também na montagem final desse filme que é um clássico do cinema. E que não envelheceu nada em seus 25 anos de existência.