Amnésia

“Amnésia”- “Amnesia”, França , Suíça, 2015

Direção: Barbet Schroeder

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Ibiza é uma ilha no Mediterrâneo que pertence à Espanha. Tem falésias cor de areia e ocre, lançando-se no mar. Caminhos entre as pedras, arbustos e árvores pequenas levam à agua azul. Veem-se casas brancas espaçadas na colina.

Foi lá que a mãe do diretor Barbet Schroeder se refugiou para esquecer os traumas da Segunda Guerra na Alemanha. Ele, que é suíço, nascido no Irã, nunca aprendeu o alemão, língua que sua mãe queria esquecer.

Em “Amnésia”, o diretor encena essa história de sua mãe, pondo Marthe Keller, atriz divina, para ser Martha que, como a mãe do diretor procurou asilo na ilha e, mesmo não sendo uma vítima direta do Holocausto, não quer falar, nem ouvir falar de algo que a lembre da época do nazismo. Ela vive simplesmente, sem eletricidade, plantando o que come e usufruindo de uma solidão escolhida.

Mas o acaso coloca em seu caminho Jo (Max Riemelt), um alemão de uns 25 anos, que veio para Ibiza para tentar ser DJ do Clube Amnésia, o mais famoso da ilha.

Vizinhos, Jo e Martha passam a conviver, indo e vindo da cidadezinha no carro dela, caminhando pelas trilhas e pescando no barquinho branco de Martha.

Conversa vai, conversa vem, Jo descobre que Martha entende alemão mas se nega a falar a língua, assim como não anda no fusca alemão dele. Tudo que lembre a Alemanha é tabu para ela.

Ele, que é músico, encanta-se com um violoncelo antigo que Martha tem na sala dela mas que não toca porque as lembranças que ele evoca são muito tristes.

E, quando chegam à ilha, a mãe (Corinna Kirchhoff) e o avô (Bruno Ganz, maravilhoso) para convencer Jo a voltar para a Alemanha, a conversa em torno à “paella” preparada por Martha, fica difícil. São três gerações de alemães que estão na mesa e percebemos que, mesmo tendo passado muito tempo, as feridas ainda estão abertas.

O mais jovem conhece a guerra pelo que aprendeu na escola mas está longe de saber das emoções violentas que só de falar nisso, agitam as três pessoas mais velhas.

A conversa entre eles é difícil mas essencial para acontecer algo importante. Jo compreende enfim o tabu de Martha, ligado à perda de um grande amor, admira a mãe por ter se dedicado tanto à medicina para tentar recuperar o país mas compreende que também seu ofício servia para não pensar no que aconteceu e finalmente, por causa de uma catarse do avô, alcança a imensidão da culpa que, de uma forma ou de outra, todos os daquela geração sentiam.

O Holocausto não é algo fácil de se esquecer, nem através de uma amnésia voluntária.

“Amnésia” é um filme delicado e sensível que fala dos ecos de uma grande tragédia que não pode ser esquecida para que não se repita.

A Garota no Trem

“A Garota no Trem”- “The Girl on the Train”, Estados Unidos, 2016

Direção: Tate Taylor

Um trem passa pelo subúrbio de Nova York, Arsdley-on-Hudson, onde de um lado da linha férrea está o rio Hudson e, do outro, casas acolhedoras e seus jardins. Ouvimos em “off” a voz de Emily Blunt, num monólogo interior, que olha da janela do trem com melancolia:

“- Quem nunca fantasiou sobre a vida das pessoas que moram nessas casas? Imagino como são suas vidas, o que dizem esses casais um para o outro na hora de dormir…”

Rachel (Emily Blunt, perfeita no papel), bebendo numa garrafa de água, olha angustiada para a paisagem das casas. Numa delas, vemos o casal que parece a imagem da perfeição para Rachel. Sorriem um para  outro, sentados no jardim. Numa das varandas, uma outra loura alonga o belo corpo e olha o rio.

“- Eu não sou mais a garota que eu fui. Eu tinha uma vida numa dessas casas. Era tudo que eu queria e foi tudo que perdi”, continua ela em seu monólogo interior.

Rachel tem um caderno na mão e desenha casas e casais. Parece obcecada com essas imagens. Aos poucos, vamos percebendo que o que ela bebe não é água. Uma mãe com seu bebê muda de lugar assustada, quando vê as garrafas de vodca barata que Rachel leva na bolsa. Ela é alcoólatra.

O que faz ela naquele trem todo dia? O que faz com que ela precise olhar todo dia aquelas casas?

Existem três mulheres nessa história: Rachel que perdeu sua vida e sua casa e agora mora de favor com uma amiga, Megan (Haley Bennett) que é a loura do casal perfeito na cabeça de Rachel e Anna (Rebecca Ferguson) que tem um bebê pequeno e mora na casa que foi de Rachel com Tom (Justin Theroux), o ex-marido dela.

A passageira diária do trem foi trocada por outra.

E, apesar da raiva intensa que a sufoca, ela se sente culpada pelo que aconteceu. Num delírio masoquista está certa de que foi ela mesma que destruiu o seu casamento, quando soube que não conseguia engravidar. Desde então jogou-se na bebida e cometeu desatinos que afastaram o marido e o jogaram nos braços de outra, com quem é feliz e tem uma família.

Toda vez que bebe muito, e isso é todo dia, telefona para a casa dele e não fala nada. Quem atende é a babá, a vizinha Megan, contratada por Anna para ajudá-la com o bebê. Anna está assustada com esse assédio.

Mas nem tudo que Rachel imagina é verdade. Ou seja, com sua baixíssima auto-estima e seu estado de completa falta de lucidez por causa da bebida, Rachel é um perigo para si mesma e para os outros. Tem buracos na memória e não é uma testemunha fidedigna nem de sua própria vida.

Quando acontece um desaparecimento inexplicável numa daquelas casas, a verdade, nada brilhante, vem à tona.

O filme, adaptado com eficiência por Erin Cressilda Wilson do best-seller escrito por Paula Hawkins, mistura suspense, drama e crime. Tudo em dose certa e com “flashbacks” que vão contando o que aconteceu.

O diretor Tate Taylor assina um filme com uma história envolvente e belas imagens.

O final é surpreendente e vale toda a espera. O trio de belas atrizes convence e impressiona.

E Emily Blunt é a mais brilhante. Uma atriz que nunca se deixa levar pela vulgaridade, mesmo interpretando uma alcoólatra. Torcemos por ela, mesmo quando há fortes indícios de que ela pode ter cometido um crime do qual não se lembra, por causa da destruição de sua memória pela bebida.

Ela merece sua primeira indicação ao Oscar.

E “A Garota no Trem” merece ser visto por seus personagens complexos, sua história bem contada e por seu final nada óbvio.