Irmã

“Irmã”- “Little Sister”, Estados Unidos, 2016

Direção: Zach Clark

Oferecimento Arezzo

“Não aguenta ver a tragédia? Transforme-a em magia.”

Essa frase aparece na tela antes do filme. É atribuída a Marilyn Manson, o roqueiro que adotou o nome de sua banda, que mistura Marilyn Monroe, a diva do cinema, com Charles Manson, o líder da seita assassina. A banda vendeu, desde o começo dos anos 90 até hoje, 50 milhões de discos. E a frase é a essência de “Irmã”, sexto filme de Zach Clark.

Começa em Nova York, mostrando a noviça Colleen, vivida com uma emoção sincera por Addison Timlin, recebendo um e-mail de sua mãe sobre seu irmão Jacob (Keith Poulson), avisando que ele voltou para casa.

Ela pede emprestado o carro da superiora e vai visitar a família, mais especificamente o irmão, que voltou da guerra do Iraque com o rosto deformado pela explosão de uma bomba.

Por que Colleen quer ser freira? Quando ficamos conhecendo sua família disfuncional, pai acovardado frente a uma mãe perturbada, viciada em drogas, com sérias crises de depressão que a levaram a uma tentativa de suicídio e um relacionamento problemático com a filha, entendemos Colleen.

Talvez haja muito de fuga na escolha que ela fez mas Colleen é virgem e essencialmente doce e generosa. E seu temperamento natural a leva a ajudar os que precisam. E mais. Ela sente-se feliz como freira.

Os filminhos domésticos da infância de Colleen e Jacob são mostrados na tela e vemos duas crianças brincando de monstros, zumbis, dráculas e bonecos assassinos, mas tudo isso vestidos de cor de rosa e alegrinhos.

Era a maneira dessas crianças traduzirem o que viam em casa e sua necessidade de transformar a tragédia em magia, em graça, como recomendava a frase do roqueiro preferido.

E é esse mundo de monstros de brincadeira da infância dos dois que ela quer mostrar novamente para o irmão, que se transformou num monstro de verdade e não quer que ninguém o veja.

Em seu negro quarto gótico de adolescente, ela pinta o cabelo de cor de rosa, coloca batom e esmalte preto e dubla para o irmão “Have you seen me?”, sucesso da banda Gwar, enquanto “assassina” bonecos “ensanguentados” com gelatina de morango. E consegue que Jacob ria com ela.

“Irmã” é um retrato de uma família disfuncional e de como uma freirinha consegue fazer uma “mágica” e transformar a tragédia do irmão em algo mais aceitável por ele.

Já a mãe e o pai…bem… a mágica não funciona com todo mundo.

“Irmã”, sem ser um grande filme, encanta com a fábula da freirinha que mesmo sendo gótica, sempre foi boa, misturando humor e tristeza em doses certas.

 

No Fim do Túnel

“No Fim do Túnel”- “Al Final del Tunel”, Argentina, Espanha, 2015

Direção: Rodrigo Grande

A chuva e trovões molham e iluminam uma rua onde está uma casa antiga, escondida por um jardim que virou uma pequena selva descuidada.

Ouvimos uma voz de criança dizendo que está brincando com Casimiro:

“- O jantar está pronto!”diz quem parece ser a mãe.

Mas são vozes do passado porque naquela casa habita um homem só. Ele está numa cadeira de rodas. Casimiro, o cão velhinho, dorme numa almofada. Onde estão a menina e sua mãe?

Há um drama na vida de Joaquín (Leonardo Sbaraglia, ótimo), um homem ainda jovem, apesar do cabelo grisalho, bonito e tristíssimo. No porão da casa, ele trabalha no conserto de computadores. O acesso ao porão é através de um elevador para a cadeira de rodas.

Joaquín liga para o veterinário. Preocupa-se com Casimiro, que não consegue andar mais. Que fazer para que ele possa dormir para sempre sem sentir dor? Parece que o dono do cão também quer parar de sofrer.

Vemos que ele injeta o que poderia ser veneno em biscoitos para Casimiro.

Mas a campainha toca e uma mulher jovem e bonita entra casa adentro com sua filha pequena. Berta (Clara Lago) quer alugar o quarto com terraço do segundo andar da casa de Joaquín. Este mostra-se desconcertado e mesmo irritado com a entrada das duas. Fica sabendo que a menina não consegue falar. Ela logo aproxima-se de Casimiro, que mostra os dentes:

“- Ele é muito velhinho. Estranha as pessoas. Cuidado!” avisa Joaquín.

Mas a mãe da menina, falando muito, não dá chance a que Joaquín diga não a seu pedido de instalar-se imediatamente no quarto para alugar.

A intromissão na vida daquele homem recluso causa um certo desconforto também no espectador. Porque a identificação com o personagem é imediata.

Através de Berta, bisbilhoteira, ficamos conhecendo o que provavelmente prendeu Joaquín à cadeira de rodas e a existência de um luto pesado. Ele transpira uma culpa sem perdão.

No jardim selvagem, a moça vê restos de um escorregador e de um carro amassado e queimado. Numa caixa, fotos de Joaquín com uma mulher jovem e uma menina.

O convite para uma surpresa no terraço pega Joaquín desprevenido e ela dança, sensual e bela. Joaquín já se envolveu, contra sua vontade.

Enquanto isso acontece nos três andares da casa, que volta à vida com a presença das inquilinas, algo chama a atenção de Joaquín, que ouve vozes masculinas na casa ao lado. Usa um estetoscópio que cola à parede compartilhada e surpreende-se. Falam dele. Quem são esses homens?

Não é difícil para o espectador juntar o que já sabe ao túnel do título do filme. Mas não espere uma história morna e previsível. Há reviravoltas e acontecimentos inesperados.

Rodrigo Grande, diretor e roteirista, 42 anos, assina um filme de suspense e afetos. Em entrevista, disse que o assunto principal de “No Fim do Túnel” é a culpa:

“É sobre um homem que se reconstrói.”

O cinema argentino, mais uma vez, demonstra que um bom roteiro é a matéria prima de um bom filme. Quando os atores são ótimos e bem dirigidos, fica melhor ainda. Este é o caso de “No Fim do Túnel”, um filme que envolve o espectador de maneira eficaz.