O Lar das Crianças Peculiares

“O Lar das Crianças Peculiares”- “Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children”, Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica, 2016

Direção: Tim Burton

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Jake (Asa Butterfield) é um adolescente que adora as histórias que o avô (Terence Stamp, 78 anos e ainda belo) conta para ele desde que era pequeno. Ele as conhece de cor mas pede sempre para ouvir de novo.

O avô tinha fugido da Polonia quando era jovem, perseguido por monstros terríveis, dizia ele, e antes de chegar na América, vivera num orfanato numa ilha no País de Gales, dirigido pela senhorita Peregrine (Eva Green, a nova musa de Tim Robins).

Quando Jake levava para a escola as fotos que o avô guardava, todos riam muito e achavam que eram montagens. Tudo que Jake contava era inacreditável. Seria ele tão louco como o avô? Perguntavam uns aos outros, caçoando dele.

Como era possível existir uma menina que flutuava? E aquela então que tinha uma boca enorme, cheia de dentes na nuca, escondida atrás do cabelo? Para não falar do menino invisível que andava nú, da outra garota pequena que tinha a força de dez homens, do garoto que abria a boca e dela saiam abelhas, da que punha fogo em tudo que tocava e da diretora que virava um falcão peregrino.Quanta mentira! Quanta fantasia!

Mas no dia em que o avô liga para o neto na escola e pede que não venha cuidar dele depois das aulas, porque poderia ser perigoso, Jake correu para lá. Ele acreditava no avô dele e não queria que nada de mal acontecesse a ele.

A professora que dá uma carona para ele pergunta se o avô sofre de Alzheimer e Jake responde como o pai diz, mesmo sem acreditar nisso:

“- Demência…”

E, quando chegam lá e quase atropelam um estranho tipo com olhos brancos (Samuel L. Jackson) na frente da casa, Jake vê as coisas do avô reviradas e um enorme rombo na cerca de arame no jardim. Ele procura o avô e o encontra no chão, fora da casa, quase morto:

“- Você tem que ir para a ilha… Procure Emerson… 3 de setembro de 1943… sei que pensam que estou louco… eu devia ter te contado tudo há muito tempo…”

“- Vovô? Me contar o quê?”

Tarde demais. O avô olhava para ele sem olhos nas órbitas.

Jake apavorado olha para a professora que chega para ajudar. Atrás dela, um monstro enorme sem olhos, muitos dentes, braços e pernas afiados como grandes facas, prepara-se para atacá-la.

Esse começo eletrizante do novo filme de Tim Robins, baseado no livro de mesmo nome de Ransom Riggs, que é um bestseller para a juventude, com roteiro de Jane Goldman, intriga e envolve a atenção da plateia.

Mas o melhor ainda está por vir quando conhecemos o orfanato das histórias do avô de Jake. Tim Burton nos encanta com as imagens surreais das crianças “peculiares”, com os detalhes da casa vitoriana que as abriga, com as cores intensas que tem o cenário maravilhoso do jardim inglês com árvores centenárias e as falésias que despencam para o mar azul, lá embaixo.

Ali é sempre o dia 3 de setembro de 1943, véspera da tragédia, que a fenda no tempo não deixa acontecer, protegendo as crianças “peculiares”, que por isso não envelhecem.

É a Segunda Guerra e a história é uma fantasia sobre o Holocausto. As crianças “peculiares” são os judeus perseguidos pelos monstros nazistas.

Tim Burton assina um belo filme, com tudo que ele gosta de mostrar para seus fãs, apesar da história ser às vezes muito condensada, já que se baseia em uma trilogia e não em um só livro.

Não é um filme para crianças mas para jovens e adultos que gostam de se encantar com imagens impossíveis.

 

Lembranças de um Amor Eterno

“Lembranças de um Amor Eterno”- “La Corrispondenza”, Itália, 2016

Direção: Giuseppe Tornatore

O amor é sempre generoso? Depende.

No caso do professor de astrofísica Edward Phoerum (Jeremy Irons) e sua aluna Amy Ryan (Olga Kurylenko), o amor dele por ela, faz com que ele queira transpor a barreira do tempo/espaço e eternizar essa relação.

Eles estudam estrelas. E sabemos o quanto pode ser romântica a ideia de que uma estrela que já morreu, ainda brilha no céu, para os nossos olhos, devido ao tempo de viagem da luz dessa estrela até nós na Terra. Nossa vida é muito breve diante do tempo do universo.

Quando o professor Ed começa um caso amoroso com sua aluna, ele está encantado por ela e ela por ele. Fazem amor escondidos num hotel e isso parece que estimula os dois.

Amy, em suas horas fora da universidade, trabalha como dublê em filmes de ação, em cenas que envolvem perigo. São carros que ela tem que capotar em barrancos íngremes, explosões, incêndios. Há nela algo que podemos chamar de namoro com a morte, como se inconscientemente se sentisse culpada de algo. É como se merecesse a morte como castigo.

Quando ficamos sabendo de um acidente de carro ocorrido no passado, no qual ela dirigia e seu pai encontrou a morte, descobrimos o elo que a prende ao perigo e talvez mesmo a atração pelo professor mais velho que ela.

Amy é uma pessoa com problemas e, por isso, presa fácil de um amor/prisão.

Quando o professor Ed descobre que está com uma doença fatal, ele não conta nada para Amy. E desenvolve um esquema complicado, envolvendo pessoas que o conhecem, que se tornam mensageiros do além túmulo, sem o saber.

Ela recebe cartas, e-mails, mensagens no telefone, vídeos, tudo que o faz presente na vida dela, mesmo depois de sua morte, que ela descobre com um grande choque.

O amor de Ed por Amy é egoísta, possessivo, não a deixa viver uma vida sem ele.

Esse amor é como uma maldição recebida como uma benção. A garota que, inconscientemente se sente culpada pela morte do pai, merece um amor sem o amado.

Amy é a mulher ideal para Ed entreter por toda a eternidade, ou seja, enquanto durar a vida dela. Ele chega ao cúmulo de dar para ela a casa na ilha de Borgo Ventoso, seu lugar preferido no mundo, repleto da presença dele em tudo que ela toca.

Quando a vemos sentar-se na pedra onde ele se sentava para olhar o lago e pensar nela, vemos a melancolia começar a ganhar terreno no coração de Amy e tememos por sua vida.

Em nenhum momento Ed pensou em Amy como uma mulher amorosa que mereceria ser amada por alguém de carne e osso, ao invés de um fantasma tecnológico.

Giuseppe Tornatore, 60 anos, diretor do famoso “Cinema Paradiso”de1988, “Malena”de 2000 com a bela Monica Belucci e do intrigante “O Melhor Lance”de 2013, onde havia um homem velho apaixonado por uma mocinha, tem sempre como colaborador na trilha sonora o premiado Ennio Morricone. Em “Lembranças de um Amor Eterno” a música nos envolve em belas locações na Escócia e Itália (com destaque para o encantador Lago d’Orta).

A direção dos belos e bons atores faz a história ganhar certa credibilidade. Olga Kurylenko, que já foi uma Bond-girl, é bonita e expressiva e Jeremy Irons tem o “physique du role” para atrair uma mulher bem mais jovem do que ele.

E essa história de amor, apesar de todos os estratagemas para conquistar a eternidade, serve para pensar que o amor só sobrevive quando é generoso.

Porque o verdadeiro amor liberta, não aprisiona. O resto é ingenuidade e auto-destruição.