Um Conto Chinês

“Um Conto Chinês”- “Um Conto Chino”, Argentina/ Espanha, 2011

Direção: Sebastian Borensztein

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Vacas caem do céu? Quão absurda e verídica pode ser a vida?

Na Argentina, quando se usa a expressão “un conto chino”, se quer dizer que alguém conta uma mentira ou delira.

É nessa fronteira estranha da insólita verdade que se move o novo filme de Ricardo Darin, o grande ator argentino, conhecido no mundo todo graças a seu talento em filmes de sucesso como “O Filho da Noiva”, “Nove Rainhas” e o oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”.

Em “Um Conto Chinês”, Darin faz o papel de um solitário dono de uma lojinha de ferragens em Buenos Aires, em um lado decadente da cidade. Mal-humorado, zangado mesmo, deprimido e portanto cheio de raiva, homem maduro, ele vive sua vida insossa, contando obsessivamente parafusos, para ter mais uma razão de reclamar do mundo que o engana.

Coleciona histórias de mortes absurdas que saem como notícias nos jornais, para provar a si mesmo que tudo é aleatório, sem sentido, nessa vida.

A única certeza é a morte. E, por isso, tem um altar em casa, presidido pelo retrato da mãe, morta quando ele nasceu. Na velha cristaleira coleciona os presentes/oferendas que compra para a defunta: ” bibelots”de vidro, pássaros com asas de cristal, frágeis como ele.

O pai morreu também, em circunstâncias trágicas, quando ele tinha 19 anos. E assim, Roberto acumula culpas infantis inconfessáveis e inconscientes.

Leva flores para o túmulo de seus únicos entes queridos, lá no fundo igualmente detestados (porque o impedem de viver), toda a semana. E vocifera contra o mundo, impotente.

Veterano da Guerra das Malvinas, na qual a Argentina declarou guerra à Inglaterra e foi derrotada sem piedade, Roberto esconde muitas mágoas em seu coração. Pensa nelas cada vez que vai ao aeroporto ver os aviões pousando e decolando, enquanto almoça sentado numa cadeira, com a comida em cima do capô de sua velha Fiat.

E, justamente por estar ali, é que Roberto vai encontrar Jun (Ignácio Huang, ator chinês que vive na Argentina).

O orfão argentino fareja de longe o orfão chinês.

Jogado para fora do táxi porque não fala espanhol, o jovem chinesinho vai ser amparado por Roberto, à sua própria revelia.

Há uma compulsão em ajudar o desconhecido, já que Roberto não ajuda a si mesmo a viver uma vida melhor. Nisso, incluído está a simpática Mari (Muriel Santa Ana) que o adora com timidez e vê em Roberto “sentimento e nobreza”, como escreve na carta que enviou para ele.

“Um conto chinês” é uma comédia com elementos de humor negro e se baseia numa história verídica, por mais incrível que isso possa parecer. Se você tiver paciência, fique até os créditos finais e veja a notícia usada na adaptação sendo divulgada pela TV russa.

O diretor e roteirista, Sebastian Borenzstein, toca o filme com delicadeza, fazendo com que o espectador deduza quase tudo do vinculo entre o argentino que não fala chinês e o chinês que não fala espanhol, através da mímica, das expressões faciais e linguagem corporal dos ótimos atores.

O choque cultural cede frente às carências dos personagens, porque falam mais alto.

Vá você também, como o fizeram mais de um milhão de argentinos, se emocionar com “Um Conto Chinês”.

Duvido que você não se envolva com esse filme.

Esses Amores

“Esses Amores” - “Ces Amours- là”, França, 2010

Direção: Claude Lelouch

Uábadábadá, uábadábadá…

Esse refrão ritmado de Francis Lai soa aos ouvidos de toda uma geração como uma recordação de romance e sofisticação.

Faz parte da trilha sonora de um dos filmes que mais marcou a carreira do cineasta Claude Lelouch, que nasceu em Paris em 1937, filho de um judeu da Argélia.

Ele ainda não tinha 30 anos quando dirigiu “Um homem e uma mulher”(“Un Homme, une Femme”), com Anouk Aimée e Jean-Louis Trintgnant. Um piloto de corrida e uma bela mulher, ambos viúvos, se encontram, por acaso, no colégio interno onde seus filhos estudam.

O uso da cor para mostrar as cenas do presente e o preto e branco para o passado dos personagens, era um charme a mais no filme que tinha uma música de Vinicius de Mores e Baden Powell, “Samba da benção”.

“Um Homem e Uma Mulher” fez tanto sucesso que ganhou dois Oscars em 1967: melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original. Já tinha levado a Palma de Ouro em Cannes em 1966. E Anouk Aimée ganhou o Bafta inglês e o Globo de Ouro como melhor atriz.

Houve uma continuação de “Um Homem e Uma Mulher”, 20 anos depois, com os mesmos atores, que levou ao cinema quem tinha visto e se encantado com o filme de 1966.

Mas Lelouch é um diretor de outros grandes filmes, também sucessos de público como “Viver por Viver”(“Vivre pour Vivre”) de 1967 com Yves Montand, Annie Girardot e Candice Bergen e “Retratos da Vida”(“Les Uns et Les Autres”), de 1981 com um grande elenco liderado por Nicole Garcia, Geraldine Chaplin, Michel Piccoli, Fanny Ardant com dança (Jorge Donn, inesquecível no Bolero de Ravel), música e guerra, em um grande painel que começa em 1936 e vai até os anos 80.

Ao completar 50 anos de carreira e já com 43 filmes no currículo, Claude Lelouch resolveu fazer de novo o que sabe fazer como ninguém: acompanhar os acontecimentos da história do Ocidente e fazer com que se misturem à vida dos personagens que ele cria.

Dessa vez ele conta os amores de Ilva (Audrey Dana), uma bela francesa, durante os anos que antecedem, durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Romance, sexo e intriga contracenam na França tomada pelos nazistas, onde é mostrado o papel da resistência francesa, vê-se os judeus sendo exterminados nos campos de concentração e presencia-se a invasão da Normandia com a entrada dos americanos na guerra, decidindo a vitória dos aliados em 1944.

Lelouch homenageia o cinema em ”Esses Amores”, começando pelos irmãos Lumière e o primeiro filme falado, “O cantor de Jazz”, passando pelos diretores que ele ama, nos trechos de filmes que passam no cinema ”Palace” que é um dos cenários por onde transitam os personagens, até “closes”dos atores que trabalharam em seus filmes no final de “Esses Amores”.

Como sempre, a música é central na trama que vai contar histórias paralelas que depois se encontram. Ouvimos assim, “Que Reste-t-il de Nos Amours?” cantada por uma francesa acompanhada de um acordeão, “Stormy Wheater” no Cotton Club em New York e o Concerto n. 2 para Piano de Rachmaninoff que se ouve no campo de concentração tocado por um dos prisioneiros e que abre e fecha o filme.

Ilva, que muito amou, vai ser condenada por um crime que não cometeu? Como diz o advogado/ pianista judeu, será que houve um suicídio disfarçado em assassinato?

A história dessa mulher, mesclada aos dramas de uma guerra cruel e um pós-guerra difícil para todo mundo, são os temas que veremos nesse filme, transbordante talvez, atordoante, mas certamente a síntese da obra do grande Claude Lelouch.

Todos os elementos dos outros filmes aqui estão presentes, contados da maneira talentosa com que Lelouch sempre encantou as platéias numerosas de seus fãs.

Claude Lelouch é um homem apaixonado pelo romance. Como ele mesmo diz no fim do filme, pela boca de um personagem, cineasta como ele:

“- E foi por causa daquele beijo que eu filmei tantas histórias de amor nesses 50 anos”.