500 dias com ela

"500 dias com ela" - "(500) Days of Summer", 2009

Direção: Marc Webb

Oferecimento Arezzo

Espere muito mais de “500 dias com ela” do que simplesmente mais uma comédia romântica daquelas que as mulheres vão ver sozinhas ou com as amigas à tarde.
Porque o diretor, Marc Webb, em seu primeiro longa, depois de muitos vídeo-clips, surpreende.
Para começar, ele desconstrói um dos preconceitos de gênero mais arraigados que existem: nesse filme é o homem que é romântico de uma forma irrealista. É ele que idealiza o amor e espera angustiado pela “alma gêmea” que vai acabar com todos os seus dias ruins.
Acontece que ela, Summer, não é daquelas menininhas bobas que não sabem nada da vida.
Para o espectador que não entende inglês, é melhor explicar que o nome dela é Verão. E que, para quem mora em países onde existe um inverno rigoroso, só se pode ter certeza de 120 dias de verão. Para essas pessoas, o sol é um bem apreciado.
Ronaldo Bôscoli, um compositor brasileiro dos começos da bossa nova, captou o espírito do verão como ninguém:
“Dias de luz,
Festa de sol,
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar…
………………………
Tanto mar e luz!
Dias tão azuis!”
E essa explosão de cores e calor explica o encantamento de Tom, nosso garoto, pela garota Summer que é, para ele, tudo isso que Bôscoli cantou.
E mais.
A personagem tem pitadas de Gigi, do filme musical que todo mundo de uma certa idade conhece: é desligada e infantil. Como também é esperta e sofisticada como uma Holly Golightly saída de “Breakfast at Tiffany’s”.
É uma menina que lembra também os anos 60 em Ipanema onde todas as mulheres do mundo queriam ser Leila Diniz: preza a sua liberdade, gosta de sexo e quer ser tratada de igual para igual pelos homens. Mas não deixa de ser feminina um minuto. Chora no cinema mas enfrenta a vida com decisão.
Enquanto nosso garoto espera dela promessas de amor eterno, ela faz com que ele viva dias de “luz e sol” como ninguém tinha feito com ele antes.
E se torna inesquecível como toda mulher por quem um homem se apaixona. “Adoro tudo nela”, diz Tom. Quando está com ela o mundo se ilumina, quando ela não está Los Angeles fica gráfica, sem cor, vazia.
O filme tem também o mérito de contar uma história tão batida de “boy meets girl” (garoto encontra garota), em um ritmo diferente, indo para a frente e para trás, em uma cadência nova, ao som de músicas gostosas.
Menção especial para os sussuros de Carla Bruni cantando “Quelqu’un m’a dit que tu m’aimes encore” (Alguém me disse que você ainda me ama).
O recurso da tela dividida em duas, que não é novidade, ganha aqui uma ideia nova: de um lado as expectativas do garoto, de outro a realidade, o que realmente está acontecendo em sua relação com Summer.
E assim, entre trilha sonora caprichada e roteiro original, vemos os encontros e desencontros de uma história que não é uma “love story”, como nos previnem com humor já nos titulos iniciais do filme.
“500 dias com ela” é um filme que diverte, encanta e faz com que nos identifiquemos com as situações criadas, qualquer que seja a nossa idade. Afinal, o amor não tem idade mas estações. E, depois de um verão de luz e sol, só depende da nossa competência e de algumas coincidências, deixar que aconteça um outono surpreendente em nossas vidas.

Chico Xavier

“Chico Xavier”, Brasil, 2010

Direção: Daniel Filho

Mais dia menos dia ele viraria com certeza personagem de cinema. Quem mais que o controvertido Chico Xavier (1910-2002) para encabeçar a lista de quem quer contar a história do misticismo no Brasil do século XX?
O órfão sofrido de uma cidadezinha mineira que se consola em conversas com a mãe já morta (a bela Leticia Sabatella ), debaixo de uma árvore frondosa no cemitério, é a cena que marca o espectador e o prepara para o que virá a seguir : um jovem se convence de que tem uma missão de ajudar a quem sofre.
Uma vida extraordinária será contada de maneira hábil para prender a nossa atenção, através das idas e vindas que o roteiro de Marcos Bernstein propõe, inspirado no livro de Marcel Souto Maior, “As vidas de Chico Xavier”.
De um estúdio da antiga TV Tupi em 1971, onde se desenrola o programa “Pinga Fogo” que entrevista Chico Xavier ao vivo,vamos e voltamos da Minas natal, acompanhando a vida desse homem intrigante.
Adorado por muitos como um santo, detratado por outros como uma fraude, Chico Xavier é mostrado no filme como sendo, principalmente, um homem bom, afável e bem humorado.
Interpretado de maneira convincente por três atores, tanto o menino (Matheus Costa), quanto o jovem (Angelo Antonio) e o homem maduro (Nelson Xavier), emocionam a plateia cada um à sua maneira.Todos eles fazem o médium com um traço comum: doçura e carisma.
Vale ressaltar a atuação de Nelson Xavier que assusta de tão parecido com Chico Xavier o ator conseguiu tornar-se. Sem qualquer esforço aparente, ele nos presenteia com uma verdadeira encarnação do médium. Assombroso.
Daniel Filho que assina a produção e a direção acertou na escolha do elenco primoroso e do cenário bucólico das ruas de pedra e telhados amplos de Minas. Acertou também no clima simpático ao seu personagem principal.
Sentir o impacto da personalidade de Chico Xavier na plateia foi de arrepiar. Todos sabemos como cinema de shopping geralmente impede o espectador curioso de ver os letreiros finais com calma. A praça de alimentação ou a corrida para o estacionamento faz com que todos se levantem com pressa e tumulto.
Pois dessa vez não foi assim. Um achado muito usado em filmes sobre histórias reais, ou seja, o aparecimento de imagens da pessoa na vida de quem o filme se baseou, causou aqui um efeito bastante inusitado.
Nem um pio. Só se ouvia a voz do próprio Chico Xavier que, em filminhos preto e branco projetados do lado esquerdo da tela, paralisava e fascinava todo mundo.
Ninguém levantou nem pisou no meu pé.
Chico Xavier, contando em pessoa aquilo que o filme tinha acabado de mostrar, demonstrou cabalmente porque foi quem foi.
Acenderam-se as luzes e ouviram-se aplausos.
Carisma puro.