Diário perdido

"Diário perdido" - "Mères et filles", França, 2009

Direção: Julie Lopes-Curval

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Se você é mãe de uma filha ou se é só filha mas pode ter filhas, esse filme vai tocar em um ponto frágil do seu coração.
Estamos na França, nos dias de hoje e uma filha visita os pais em uma pequena cidade à beira-mar. Ela vem do Canadá, onde mora. É solteira, engenheira e liberada.
Logo sentimos um clima de quase animosidade entre a filha Audrey (Marina Hands) e sua mãe, Martine (Catherine Deneuve) que é médica e gelada como um vento de inverno.
Não é à toa que a diretora, Julie Lopes-Curval chamou de “Mães e filhas” o seu filme. Como sempre, o tradutor brasileiro acha que sabe mais…Ou vai ver que ele é homem e não entende nada de mães e filhas. Sem ofensa.
Aliás, a certa altura do filme, o pai de Audrey reclama sobre as histórias entre ela e a mãe:
“- Se fosse o pai, ninguém ligava. Eu cozinhava para você, eu estudava com você… Mas perder o pai não é nada…”
O filme não conta uma história banal. Há um suspense no ar. Mas o mais tocante é que em seus pequenos detalhes vai nos fazer lembrar de nossas mães e avós, do quotidiano feminino que testemunhamos quando meninas.
No filme, há uma estranha convivência entre a neta do século XXI e sua avó que viveu nos anos difíceis do pós-guerra. Audrey “vê” sua avó Louise na cozinha, na praia com os filhos (sua mãe e seu tio) e com o avô. E percebe os conflitos passados enquanto vive os próprios conflitos no presente.
Vai viver na casa da avó e encontra na cozinha o famoso diário perdido da tradução do título em português. Nele ela vai aprender receitas antigas e saborosas mas, principalmente, vai descobrir coisas sobre a avó, sua mãe e sobre si mesma.
Um elo invisível e forte liga essas três gerações de mulheres. E a história agridoce desse feminino familiar se faz universal na medida em que todas nós, mulheres, somos herdeiras do que a geração de nossas avós conquistou para todas nós.
Hoje parece coisa fácil mas a liberdade de ir e vir, estudar, abrir conta no banco, trabalhar e até poder andar de ônibus sozinha, já foram privilégios negados às mulheres.
Essas conquistas mundanas já são coisa do nosso dia a dia mas o feminino em nós ainda guarda os seus mistérios… E isso passa de mãe para filha. Cada par tem o seu.
Vá pensar sobre isso depois de ver “Diário perdido”.

Aproximação

“Aproximação” - "Disengagement", Alemanha/Itália/Israel, França, 2007

Direção: Amos Gitai

“Aproximação” (Disengagement, Amos Gitai, Alemanha/ Itália/ Israel/ França, 2007)
Postado em 2 de abril de 2010, às 11:00

Dois desconhecidos encontram-se no corredor de um trem. Ela é palestina, ele judeu.
Os dois tentam explicar ao guarda, que pede os passaportes deles, que “nacionalidade” pode ser um conceito abstrato.
-“Na verdade somos um povo nômade” diz ela.
Os dois viajantes aproximam-se e enlaçam-se em um longo e erótico beijo. Homem e mulher. Aproximação.
Aparecem os títulos na tela e fica claro que o nome do filme em inglês remete a movimentos de aproximação / separação. A palavra é escrita em duas cores e é cortada: Dis-Engagement.
O diretor é o israelense Amos Gitai que propõe um cinema político e ao mesmo tempo reflexivo.
“O cinema que me interessa é o que faz dialogarem estética e política“, diz Gitai em uma entrevista publicada na Folha.
A primeira parte do filme passa-se em um velório de um homem já velho que jaz sobre uma mesa em um apartamento europeu com sinais de decadência. Canapés de seda verde puida, cortinas de veludo vermelho desbotado, uma escadaria de mármore com uma bela grade de ferro dá para um hall desnudo. Cenário de morte. Separação.
A famosa soprano Barbara Hendricks canta lindamente um triste Mahler, sentada na posição de lótus, frente ao corpo do morto.
Uma menorá é percebida sobre a lareira e estranhos símbolos flutuam como móbiles sobre o corpo.
Aos poucos vamos percebendo que Ana (Juliette Binoche) perdeu o pai e recebe seu meio-irmão, Uli (Liron Levo), o israelense do beijo no trem, para o funeral. Aproximação.
Em uma interpretação belíssima vamos ver, ao longo do filme, uma mudança notável no humor maníaco da personagem de Binoche que, mais que em um velório, parece estar em uma festa. Salto alto, boca vermelha, vestido com uma fenda provocante, ela tenta negar a realidade da morte.
Jeanne Moreau, em uma ponta aproveitada com talento, faz Ana enfrentar o que ela teme: a responsabilidade por sua filha que vive em Gaza.
E aí começa a segunda parte do filme que combina com o nome com que foi apresentado na Mostra Internacional de São Paulo em 2007: “Retirada”.
Ana e Uli partem para o Oriente Médio onde, na faixa de Gaza, duas importantes missões os esperam: um terá que exercer separação, o outro vai viver aproximação.
Estamos em 2005 e os assentamentos de judeus ortodoxos estão sendo demolidos e o povo retirado do local.
Somos testemunhas aflitas dos gritos, medo, perplexidade e determinação que separam pessoas de seus lares e que, ao mesmo tempo, fazem outras voltar à mesma terra que consideram como sua.
O conflito no Oriente Médio é um dos pontos de maior dor e perigo do nosso mundo.
Aproximar-se desse tema e pensar, tentando separar-se de preconceitos e pré-julgamentos, é o único modo de contribuir, apesar da nossa impotência, para talvez sonharmos todos com uma solução possível.