My Way – O Mito Além da Música

“My Way – O Mito Além da Música”- “Cloclo”, França/Bélgica 2012

Direção: Florent-Emilio Siri

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Nas primeiras imagens do filme, vemos o semblante iluminado de um menino louro:

“- Claude, meu lindo!”

É o pai que chega, saindo de um conversível branco. Logo o vemos no espelho, disfarçando as olheiras com pó e se perfumando. Quando desce à sala, onde a mulher joga com as amigas, ele flerta com a mais bonita.

A vida, no Egito, corre bem para Aimé François, casado com uma italiana, mãe superprotetora e egoísta, de seus dois filhos, Cloclo, apelido de Claude de 10 anos e Jojo, a mais velha, Josette.

Mas dez anos depois, em 1959, com a chegada do líder nacionalista Nasser ao poder, a família estrangeira tem que sair do país e fugir para Montecarlo, na Europa.

Lá, o garoto Cloclo vai ser expulso de casa pelo pai autoritário que o quer violinista e não bateirista em uma banda qualquer, como ele começou a vida.

E assim vai a luta de Claude François para se impor como cantor popular na França.

Magistralmente interpretado pelo ator belga Jéremie Renier, “My Way” vai contar a história de um garoto baixo, nada bonito, apesar do nariz operado, que, com perseverança, consegue realizar seu sonho.

Foi uma vida voltada inteiramente para o seu projeto narcísico de brilhar no palco.

Autoritário como o pai, vaidoso também como ele, Cloclo enfrenta, sem alegria, três casamentos e dois filhos e parece que nunca foi feliz. A não ser no palco, onde se comunicava com o seu público, na maioria garotas que ele fascinava para maltratar depois, levado por seu complexo de inferioridade, que ele disfarçava com toques de histeria, desmaiando ou jogando-se sobre as fãs que enchiam os teatros onde se apresentava.

O diretor Florent-Emilio Siri consegue prender o espectador com a historia do “rockstar” mas se estende demais, numa obsessividade com os detalhes, que era também a característica da personalidade de Cloclo.

Aquele que escreveu a letra e cantou em francês o sucesso “Comme d’habitude”, teve sua canção vertida para o inglês por ninguém menos que Paul Anka, que a deu para Frank Sinatra gravar. Foi um grande sucesso internacional do cantor americano mas que só rendeu um “alô” para Cloclo quando se encontraram no lobby de um hotel.

Claude François morreu antes de completar 40 anos, vítima fatal de um acidente doméstico decorrente de sua obsessão por arrumação, já que o equilíbrio interno parecia perdido desde que seu pai morrera sem o aceitar de volta.

Sua vida foi uma vingança contra aquele que ele queria que o amasse para sempre? O filme sugere que isso o marcou profundamente, até mesmo em suas escolhas sexuais.

A reprodução da época é brilhante, a fotografia faz pensar num filme dos anos 60 e 70 e as músicas são na sua maioria versões de sucessos americanos.

Quem assistir ao filme vai lembrar-se de Cloclo quando ouvir “My Way” nas muitas gravações dessa canção.

De certa forma, o patético personagem foi vingado.

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Tropicália

“Tropicália”- Brasil, 2012

Direção: Marcelo Machado

 

Quem era jovem em 1964, certamente foi ver, ou ouviu falar do espetáculo “Opinião”, que estreou no Rio de Janeiro em dezembro desse ano, alguns meses depois de instalado no Brasil o regime militar, que derrubou o presidente eleito, João Goulart, com um golpe de estado.

“Opinião” era uma colagem de textos e músicas de protesto contra a situação política do país, cantadas por Zé Kéti e Nara Leão, depois substituída pela baiana Maria Bethania, desconhecida até então. Ficou na nossa memória o rosto forte dela cantando “Carcará”.

Pois bem. Junto com Bethania, veio para o sul seu irmão, Caetano Veloso.

O rapazinho magro, tímido, charmoso, inteligente e principalmente, curioso por tudo, começou a andar com um pessoal que ia ver e fazia teatro, cinema e música, à sombra do regime que ainda não mostrava cabalmente suas garras.

A bossa nova era rainha no terreno musical. E Elis Regina e seu programa na TV Record, apresentado também por Jair Rodrigues, enchiam o teatro da Consolação com estudantes que iam aplaudir “O Fino da Bossa” em 1965. Nesse programa, Caetano e Gilberto Gil foram apresentados ao público, junto com Chico Buarque e MPB4, Toquinho, Maria Bethania, Milton Nascimento e outros.

A Record tinha também o programa “Bossaudade”, apresentado por Elizete Cardoso e “A Jovem Guarda” nas tardes de domingo, comandado por Roberto Carlos.

No rastro do I Festival de Música Popular Brasileira realizado pela TV Excelsior, a Record começou a também fazer festivais.

O II Festival de Música Popular Brasileira foi um sucesso e serviu para mostrar que havia um público dividido. Os que torciam por Geraldo Vandré e a música “Disparada” e aqueles que queriam “A Banda” de Chico Buarque. A confusão foi tanta que deu empate.

Caetano Veloso gostou da “Banda” que era uma marchinha “cinematográfica” e, no próximo Festival da Record, lançou também uma marcha que seria uma novidade e um sucesso instantâneo. Caetano cantou “Alegria, Alegria”, vestindo-se como a jovem guarda de Roberto, de boá no pescoço e perguntando “Por que não?”

O arranjo tinha guitarras elétricas e a sonoridade lembrava os Beatles. Ganhou o primeiro lugar.

No mesmo festival, Gilberto Gil cantou “Domingo no Parque”, também cinematográfica, com enredo e personagens, acompanhado pelos “Mutantes”, o arranjo também com guitarras elétricas e todos vestindo fantasias. Rita Lee, mocinha, chamava a atenção pelo seu “look” londrino. Alienados?

Estavam lançadas as bases de um movimento que sacudiu a música popular brasileira e que foi chamado de “Tropicalismo”. Tudo a ver com a Semana de 1922, Oswald de Andrade, antropofagia, “Macunaima” e “O Rei da Vela”. E também com Hélio Oiticica, sua obra “Tropicália” e os parangolés e no cinema Glauber Rocha com “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. E Chacrinha, claro.

O documentário “Tropicália” de Marcelo Machado conta tudo isso com agilidade e beleza, começando pelo fim, quando Caetano e Gil, depois de amargar prisão, foram para o exílio em 1969, quando começaram “os anos de chumbo”, com o AI-5.

A procura de uma síntese de ideias, por vezes contraditórias, foi a marca do movimento tão bem explicado no documentário que faz um painel do Brasil no fim dos anos 60, não apenas cultural mas também político. E mostra que uma coisa tinha tudo a ver com a outra.

Uma linguagem criativa costura fotos, pedaços de programas de TV, de filmes, cenas de rua, capas de LPs, o enterro do estudante Edson Luis, a passeata dos 100 mil, filminhos caseiros de Caetano e Gil no exílio em Londres, a participação deles no Festival da Ilha de Wight em 1970 e a volta ao Brasil.

Tudo isso ao som das músicas e depoimentos do pessoal que fez o Tropicalismo.

Imperdível para quem viveu isso e, principalmente, para quem não viveu isso e precisa saber como foi.

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