Solo

“Solo”- Idem, Espanha, 2018, NETFLIX

Direção: Hugo Stuven

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As Ilhas Canárias e a beleza deslumbrante de uma área desértica frente ao mar, a praia de Jarujo, é o cenário que vai se transformar de sonho em pesadelo para Alvaro Vizcaino (Alain Hernandez), jovem de trinta e poucos anos, bonito, surfista e “bon vivant”.

De dia, a adrenalina das ondas altas que quebram muito perto das rochas, é um perigo que ele e outros procuram.

Um desafio que faz aqueles jovens se sentirem mais vivos e, ao mesmo tempo, os impede de pensar sobre as próprias vidas.

De noite, festas na praia, fogueiras, música e dança, bebida e drogas. E encontros casuais. Procuram liberdade e diversão.

Havia Ona (a bela Alda Garrido) a quem Alvaro levara para um jantar atrás das dunas, à luz de velas, e uma bela Lua Nova no céu. Mas o casal brigava muito por ciúmes e infidelidades de Alvaro, que não queria aprofundar laços nem com Ona nem com ninguém.

Ele se armara contra os afetos. Usava uma armadura autista para não enfrentar a própria fragilidade. Achava que era autossuficiente. Onipotente.

Alvaro e Nelo (Bem Temple) combinaram aproveitar a vida juntos, surfando todas as ondas, as melhores e conquistando também as mulheres.

Mas Alvaro vai ficar sabendo que Nelo se apaixonara e ia largar aquela vida dos dois. Sentindo-se atraiçoado, Alvaro bebe muito e dorme no carro, na praia mesmo.

Acorda no dia seguinte de ressaca. Estava sozinho.  Pois bem, que assim seja. Com esse espírito, vai descendo as dunas de areia apoiadas nos rochedos que dão para o mar. Sua mente está longe.

E não deu outra. Escorrega num passo mal dado e lá se vai areia abaixo, de bruços, como num tobogã gigante.

A queda acontece. Assustadora. Quebrou o quadril, a mão, sangue no braço e na testa. Inconsciência, frio e medo.

Foram horas de luta com o mar na maré cheia e um sono atormentado numa nesga de areia quando o mar retrocedia.

E os demônios interiores atacam. Lembranças, temores e culpa. Ali ele não vai conseguir escapar de si mesmo como sempre fazia.

O diretor espanhol Hugo Stuven, em seu segundo filme, conseguiu criar suspense e medo com muito pouco. Cenas difíceis, filmadas à altura dos olhos de Alvaro entre as ondas que o jogam nas rochas e com um drone mostrando como somos um nada na imensidão azul.

As cenas são belíssimas, fotografadas com talento por Angel Iguácel, numa natureza de azuis, beges e negros.

“Solo” é um filme que conta um fato da vida real. E parece impossível um ser humano ter sobrevivido a tantas quase mortes. Mas assim foi e mexeu profundamente com Alvaro, que passou a viver transformado para sempre.

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A Favorita

“A Favorita”- “The Favourite”, Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos, 2018

Direção: Yorgos Lanthimos

A opulência na qual vivia a Rainha Anne da Inglaterra aparece logo, na cena em que as damas de companhia a despem do manto e da coroa real. O quarto dela tem beleza e riqueza de bom gosto com tapeçarias suntuosas, móveis de madeiras nobres e flores, rosas e peônias em vasos preciosos.

Mas já se introduz aqui a ideia de que a rainha poderia estar perdendo algo importante, sem na verdade se dar conta disso. Ela mostra apenas um rosto amuado.

Porque, na verdade, quem usa o manto e a coroa, o poder do cargo, é a favorita, Lady Sarah Churchill, Duquesa de Marlborough (Rachel Weiz, maravilhosa).

Um corredor secreto une os aposentos dela com os da rainha. Elas cresceram juntas, se conhecem muito bem e a rainha precisa de Sarah, tanto na cama como no trono, aconselhando e tomando decisões em seu nome.

A Rainha Anne era casada com Jorge da Dinamarca e Noruega, Duque de Cumberland. Nem é citado no filme, a não ser indiretamente, já que os 17 coelhos que ela tem em pequenas jaulas no seu quarto lembram seus 12 abortos, ou bebês natimortos, 4 mortos na infância e um doente crônico, Guilherme, que morreu aos 11 anos.

Todos esses lutos explicam a depressão e a loucura da rainha? Em parte. Mas ela também sofria com uma saúde frágil e problemas na perna. Ficou manca aos 30 anos.

Foi a dor dessa perna que atraiu Abigail (Emma Stone, cativante) para o quarto da rainha. Buscou ervas na floresta próxima para fazer um unguento que acalmou a aflição da soberana.

Abigail era prima de Sarah Churchill mas sua família perdera tudo e ela era uma simples serviçal na cozinha do palácio. Mas era bonita, jovem, esperta e manipuladora. E sabia fazer cara de anjo e bajular a rainha e os poderosos do palácio.

O triângulo formado por essas três mulheres é o foco do filme.

Anne, interpretada pela atriz inglesa Olivia Colman, 44 anos (que já foi premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz e tem várias outras indicações, inclusive o Bafta, Oscar inglês) dá um show fazendo a rainha infantilizada, raivosa, insegura e sobretudo carente.

Já as outras duas trocam farpas, maldades, ciladas e mentiras, tudo para se alçar ao posto de favorita da rainha e obter privilégios.

Yorgos Lanthimos, o diretor grego de 44 anos, que muitos consideram um provocador, em “A Favorita” fala da natureza humana através de uma farsa sobre os poderosos e aqueles que circulam ao redor para obter vantagens. O século é o XVIII mas as pessoas são muito parecidas com as do século em que vivemos.

Ou seja, o poder atrai sempre cobiçosos, mentirosos, egoístas, inescrupulosos. Os donos do poder são o alvo de uma corja imensa. E, na verdade, não são muito diferentes dos que estão à sua volta.

“A Favorita”, líder de indicações para o Bafta, já está na lista de muitos prêmios para o filme, diretor, atrizes e merece também ser premiado pela produção de arte, fotografia e figurinos, além da trilha sonora.

A última cena é fascinante. Nos olhos de Olivia Colman passam temores, desilusões, luto, mas ela vai crescer como pessoa. Pelo menos encarou a realidade em que vive. Abriu os olhos.

Um filme esplêndido.

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