A Esposa

“A Esposa”- “The Wife”, Estados Unidos, 2018

Direção: Bjorn Runge

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A aflição dele tem motivo. Escritor maduro, cabelos brancos, óculos, ele sabe que o vencedor receberá um telefonema na manhã do dia seguinte. Não consegue dormir e não deixa a mulher dele em paz. Ele espera aflito e quer companhia nessa espera.

E quando o telefone toca na casa do casal Joseph e Joan Castelman (Jonathan Price e Glenn Close) bem cedo, os pega adormecidos. Acordam sobressaltados e é ele que atende o telefone e ouve o que tanto esperara que acontecesse. De Estocolmo, uma voz dá a notícia. Ele é o novo Nobel de Literatura. Ela escuta na extensão e seu rosto em close expressa um maravilhamento nos olhos brilhantes.

Pulam em cima da cama como crianças.

E ficamos surpresos em ver, desde as primeiras cenas o quanto Joe é dependente de Joan. Ela toma conta do óculos dele, do comprimido e do casaco.

Na festinha à noite, os amigos se reúnem e quando chega o momento do discurso, ele só tem palavras de  agradecimento à sua musa, a esposa.

Ela fica claramente incomodada. Mas imaginamos que é por timidez. Ela seria uma mulher que gosta de ficar na sombra.

Mas, quando começam os “flashbacks”, encontramos uma outra Joan, aluna brilhante do professor Castelman. Ela é atraente e o professor, casado, se encanta com aquela mocinha que olha embevecida para ele. Joe vê nela não só a mulher atraente mas a promessa de uma companheira de vida, com talento na escrita e compreensão dos sacrifícios de sua profissão.

Sim. Joan é tudo isso e mais. Por décadas se dedica a ele, de modo tão exclusivo, que os filhos foram um pouco deixados de lado. Não seria exagerada essa dedicação a corrigir e datilografar os livros de Joseph? Uma secretária não poderia poupar Joan de tanto trabalho?

Mas o filme, adaptado do livro de 2003 de Meg Wolitzer, leva o casal e o filho David (Max Irons) para Estocolmo. No mesmo avião, era do Concorde, há um outro personagem (Christian Slater), um escritor que quer escrever a biografia de Joseph Castelman e quer falar sobre isso. Quando abordados, percebemos um intenso desagrado no casal.

Por que?

Durante toda a estada em Estocolmo vemos que Joan não está bem. Algo a incomoda muito.

Desse ponto em diante o filme vai nos surpreender. Dirigido pelo sueco Bjorn Runge o filme não se salienta por outra coisa que não seja a atuação dos excelentes Jonathan Pryce e Glenn Close em seus closes que mostram o talento imenso dos dois, em seus rostos expressivos.

Glenn Close já ganhou o Globo de Ouro, e é forte candidata ao Oscar, por sua interpretação magistral dessa mulher extremamente inteligente e talentosa mas insegura a respeito de seu lugar no mundo. Obviamente apaixonada pelo marido, ela ainda mantém a submissão juvenil ao professor que a domina. Talvez ela tenha se visto a vida inteira como uma mulher de muita sorte por ter sido escolhida por ele. E deixou-se explorar.

Daqui por diante ela vai se perguntar: valeu a pena?

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Assunto de Família

“Assunto de Família”- “Manbiki Kazoku”, Japão, 2018

Direção: Irokasu Kore-eda

Pai e filho numa loja se preparam para roubar tudo que puderem. Osamu (Lily Franky) e Shota (Jo Kariri) de uns 13 anos, fazem uma boa dupla. Pronto. Tudo que precisavam está na mochila do garoto.

A noite está fria. Parece que vai nevar, nota o menino. É quando se deparam com uma menina pequena, uns 5 anos, trancada fora de um apartamento no térreo, no terraço e mal agasalhada. Tristinha, ela treme mas não fala nada. O pai resolve levá-la para tomar uma sopa quente na casa deles.

Cinco pessoas moram numa casinha apertada entre edifícios altos, onde gente e coisas se amontoam como podem. Quando vê a menina chegando, a mãe Noboyu (Sakura Ando) reclama:

“- Aqui não é orfanato…”

Mas quando a avó Hatsue (Kilin Kiki) examina o corpinho magro e frágil de Yuri (Miyu Sasaki) e descobre hematomas e queimaduras, todos se comovem. Inclusive Aki (Mayu Matsooka) que sendo a mais apegada à avó,  poderia ter ciúmes da recém chegada.

A menina está feliz e ninguém fala em sequestro. Nem mesmo quando, dia depois, a TV dá a notícia do desaparecimento da menina que se chama Juri e não Yuri. Imediatamente a mãe corta o cabelo dela e escolhem um novo nome, Rin.

A mãe está cada vez mais próxima de Rin e se emociona quando a menina faz um carinho no braço dela, também com marca de queimadura. Ela trabalha na lavanderia de um hotel e tudo que encontra esquecido nos bolsos da roupa dos hóspedes, vai para o dela.

Aquela família pobre rouba o que não tem e não pode comprar com os magros salários do pai na construção civil e da mãe na lavanderia. Para não falar dos trocados que Aki ganha em frente a um espelho, satisfazendo o desejo dos homens que a olham. É a pensão da avó que realmente sustenta a todos.

Mas não é a pobreza, nem o fato de todos serem ladrões, que faz essa família ser diferente das outras. É outra coisa.

Durante o filme vamos nos afeiçoando a eles porque são naturalmente calorosos e genuinamente interessados uns nos outros. Ali há amor e solidariedade. Naquela casa simples escutamos muitas risadas quando todos se encontram à noite.

Kore-eda, diretor japonês, interessa-se pelos laços de afeto, que para ele são mais fortes que os de sangue, como mostra em “Nossa Irmã Mais Nova” e “Tal Pai Tal Filho”. E é um especialista em dirigir crianças. São cenas com tal naturalidade que une os adultos e os pequenos, que é difícil não se envolver.

E, quando no final nos surpreendemos com uma revelação, há uma emoção impossível de segurar. Muitos ficam com os olhos marejados.

“Assunto de Família” é um filme aparentemente simples mas que tem várias camadas, mistérios, fragilidades mas que também se nutre da força do ser humano. É universal.

Merecida a Palma de Ouro que ganhou no Festival de Cannes

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