Sementes Podres

“Sementes Podres”- “Mauvaises Herbes”- “Bad Seeds”, França, 2018 NETFLIX

Direção: Kheiron Tabib

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Dois cúmplices inesperados roubam, com engenho, as compras de supermercado de velhinhos desavisados. Bem, nem tão velhos assim, porque conseguem correr atrás do jovem Wael (Kheiron) que simula roubar a bolsa de Monique (Catherine Deneuve), distraindo assim o bem intencionado que quer recuperar a bolsa, enquanto ela foge com tudo do carrinho dele.

Até um dia que o golpe dá errado porque Monique é reconhecida por Victor (André Dussolier) que foi seu amigo na juventude. Ele convida os dois para trabalhar com ele, ajudando estudantes que não se comportaram bem na escola, faltaram muito ou foram pegos com armas. É uma segunda chance de reeducação durante as férias, apoiada pelo governo.

O diretor e ator Kheiron Tabib, 36 anos, em seu segundo longa (“Nous Trois ou Rien” 2015) escreve também o roteiro, utilizando memórias de sua própria vida. Ele nasceu no Irã e veio para a França com a família para fugir da revolução dos aiatolás.

Seu olhar de simpatia, bom humor e compreensão para com os adolescentes imigrantes ou filhos de imigrantes faz toda a diferença na vida deles.

Catherine Deneuve, a eterna musa do cinema francês, desapega de seus papéis de dama aristocrática e faz uma senhora que vive na periferia com Wael, por quem tem um carinho enorme. Vivem juntos e ela quer que ele consiga melhorar de vida, apostando em seu talento e bom coração. Em “flashbacks”, a história dos dois é contada.

Mas na tradução do título original, “Mauvaises Herbes”, foi preterido e foi escolhido o título em inglês, “Bad Seeds”, que se aprimorou aqui em “Sementes Podres”. Nada mais longe da intenção do roteirista, diretor e ator do filme, Kheiron, que usou uma frase de Victor Hugo (1802-1885), famoso escritor francês de “Les Misérables”, como epígrafe para seu filme:

“Não há nem ervas daninhas, nem homens maus. Há sim, maus cultivadores.”

Como podem ver, Hugo não fala em sementes, nem más nem muito menos podres. Falou de ervas daninhas, que o bom jardineiro arranca para não prejudicar o crescimento das sementes boas. É o trabalho do educador que estimula as qualidades do aluno, cuidando para que ele cresça, amadureça.

O filme é um conto não moralista mas que aponta para a esperança como a qualidade principal para um educador. Merece ser visto.

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Culpa

“Culpa”- “Den Skyldige”, Dinamarca, 2018

Direção: Gustav Moller

O cinema precisa de imagens para contar uma história?

Depende. Há um modo que dispensa artifícios de cenários, música e movimentação de personagens, sem perder o envolvimento e a emoção.

Em “Culpa” vamos encontrar a força desse cinema onde basta um bom ator, um roteiro que mexa com a nossa imaginação e faça o suspense nos envolver e claro, um diretor inspirado.

Aqui tudo reside numa situação em que um policial atende chamados de telefone da população da cidade, com os mais diversos pedidos e tem que encontrar soluções.

O “close” inicial é no fone de ouvido de um deles. Aos poucos, o “close” se abre mais e notamos uma crispação em seu rosto. Algo o incomoda e o perturba.

Entre uma chamada e outra, uma jornalista liga para saber sobre a audiência do dia seguinte no tribunal. Ele responde mal humorado e diz que não tem nada a declarar.

Outra chamada e notamos que ele está longe, imerso em pensamentos.

Até que uma voz de mulher assustada atrai sua atenção. Ela fala com ele mas finge falar com outra pessoa, sua filha. Ele logo deduz que a mulher foi sequestrada e está em um carro. Ouve-se a voz de um homem.

Asger Holm (Jakob Cedergren, ótimo) não é um policial que goste especialmente desse tipo de serviço mas parece que ele foi afastado das ruas justamente por algo que cometeu e vai ser julgado.

Vamos ver esse homem se agarrar no caso de Iben, a mulher supostamente sequestrada, para escapar de suas ruminações em torno ao julgamento do dia seguinte.

E, por causa desse envolvimento com Iben, que ele quer salvar do sequestro e orientar para escapar da van onde está com o ex marido Michael, Asger vai perder os limites do seu posto e se vê perdido. Brincou com fogo. A distância necessária para poder ajudar numa situação perigosa não foi respeitada.

Mas, talvez a identificação com uma pessoa desesperada ajude Asger a pensar em si mesmo e a entrar em contato com o seu próprio desespero. Aos poucos ele vai perder a fleugma aparente e vai chegar o momento em que entra em contato com aquilo de que tanto foge. Quando menos espera, a calma o invade quando percebe esse movimento interno.

O filme já foi premiado em vários festivais e é um dos nove da primeira lista de selecionados para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Cinema inteligente, que nos envolve, mesmo sem querer.

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