Um Instante de Amor

“Um Instante de Amor”- “Mal de Pierres”, França, 2016

Direção: Nicole Garcia

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O passado volta vivo e pulsante no coração de Gabrielle (Marion Cotillard, atriz soberba) quando ela vê o nome de uma rua, por acaso, em Lyon, cidade que não conhecia. É onde mora André Sauvage (Louis Garrel), seu grande amor. Ele desapareceu do lugar onde ambos se tratavam de problemas renais e nunca respondera às suas milhares de cartas enviadas àquele endereço, devolvidas pelo Correio.

Num longo “flashback”, vamos conhecer os personagens dessa história de amor, passada nos anos 50.

Gabrielle, jovem, intensa e desmedida, se apaixona pelo professor de piano que lhe empresta o livro “O Morro dos Ventos Uivantes”, sem saber que estava mexendo num vulcão.

O romance de Emily Bronte, publicado com pseudônimo, em 1847, era alimento sob medida para as paixões que tumultuavam o espírito de Gabrielle. E ela faz uma cena de ciúme em frente da comunidade, num festejo da colheita da lavanda.

Vista como histérica pela própria mãe, por causa de seus estranhos ataques de câimbras, Gabrielle é ameaçada de internação, se não fizesse o que ela queria para a filha: um casamento para acalmar seu temperamento. E José, o pedreiro que trabalhava para seu pai, é o escolhido.

Estranhamente, Gabrielle aceita casar-se mas impõem uma interdição: sem sexo. Porém, quando o marido diz que vai visitar mulheres, ela se pinta, coloca uma lingerie provocante e manda ele colocar o dinheiro sobre a mesa. Sexo sem prazer nem carinhos.

Gabrielle é uma mulher complexa, cujo corpo fala de repressões impostas a si mesma, baixa auto-estima e falta de acolhimento.

Um medo de amar se transforma no “Mal des Pierres”, doença renal que substitui o prazer pela dor.

Gabrielle parece obedecer à regra que diz que só aceitamos o amor que achamos que merecemos.

Com direção de Nicole Garcia, 71 anos, o filme é belíssimo e comovente. O roteiro foi escrito a quatro mãos pela diretora e pela autora do romance que foi adaptado (“Mali di Pietre”), Milena Agus.

Mas a grande atração é o trio principal do elenco: Marion Cotillard, bela, confusa, atormentada e sem controle de seus impulsos, Louis Garrel, sedutor e sofrido e José, o marido interpretado com força e delicadeza por Alex Brendemuhl.

Quando passou em Cannes, “Um Instante de Amor” foi ovacionado mas não ganhou nenhum prêmio. A fotografia sensível de Christophe Beaucarne nos faz ter olhos para a Provence da colheita das lavandas e para perceber o olhar quente e machucado de Marion Cotillard.

A “Barcarola de junho” de Tchaikovsky é o  fundo musical inesquecível, que parece falar de romances tristes.

“Um Instante de Amor” vai agradar ao público feminino e interessar ao masculino.

Sensual, delicado e romântico.

 

A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição

"A Garota Ocidental - Entre o Coração e a Tradição" - "Noces" , Bélgica, França, Luxemburgo

Direção: Stephen Streker

Será que é possível pertencer a duas culturas diferentes? Aconteceu com Zahira o que é consequência de uma situação dramática, que coloca dilemas de difícil solução. Aos 18 anos, ela vivia na fronteira, ou melhor, na terra de ninguém, aquele espaço que não tem dono, entre dois mundos.

A garota pertencia, em parte, ao mundo ocidental, já que morava na Bélgica, estudava numa escola na qual se falava o francês e seus amigos eram belgas.

Zahira (Lina El Arabi) era bonita, pele cor de mel, longos cabelos escuros, olhos de cílios espessos. Vestia-se como as outras meninas de sua idade mas com recato. Nada de decotes nem saias curtas.

E, quando saia à rua, seu primeiro gesto era o de cobrir a cabeça com um lenço. E isso significava que pertencia à tradição de onde viera sua família, o Paquistão, de religião muçulmana. Vemos cenas não só do pai e do irmão rezando em seus tapetes de oração, mas ela também.

Assim, Zahira obedecia às tradições seculares de seu país. Amava sua família, que também a amava. Mas era uma garota que queria viver como seus amigos.

À noite, vestindo jeans, top de paetês e tênis dourados, furtivamente saia da casa dos pais e ia dançar, com sua melhor amiga, Aurore (Alice de Lencquesaing). Queria a liberdade de namorar e sair com amigos.

Além dessa ambiguidade de conduta, um traço de personalidade de Zahira iria determinar o seu destino. Ela não conseguia tomar uma decisão importante, sem muito hesitar. Uma das causas disso era o amor à sua família. Não queria que sofressem.

Mas sabemos como a vida é feita de escolhas e suas consequências.

Ela sabe que a família prepara seu casamento com um paquistanês, porque assim reza a tradição. E seu irmão Amir (Sébastien Houbari) tem papel importante nessa tentativa de convencer Zahira a fazer o que o pai e a mãe decidiram. Eles casaram sem se conhecer e viveram felizes. A irmã mais velha também casou assim, depois de experimentar a vida à moda ocidental. E vem convencê-la a fazer o mesmo:

“- Mas não é justo”, reclama Zahira.

“- E o que você esperava? Somos mulheres.”

Ao que acrescenta com carinho:

“- Não há justiça nesse mundo. Pense nos velhos, nos doentes. Você tem que seguir as regras da tradição, senão a família será desonrada.”

Havia uma forte pressão social, além da religiosa. O pertencer à comunidade é um valor real para os paquistaneses vivendo na Bélgica.

O diretor e roteirista Stephen Streker baseou-se livremente num fato real para contar a história de Zahira. Em nenhum momento ele toma partido, apresentando os fatos, sem julgamento.

Cabe ao espectador refletir sobre o que vê na tela e colocar-se no lugar do outro, o que não é fácil.

O final é estarrecedor e pungente.