Faces de uma Mulher

“Faces de uma Mulher”- “Orpheline”, França, 2017

Direção: Arnaud des Pallières

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Quantas mulheres existem numa mesma mulher? Ou, dizendo de outro modo, é provável que em cada fase da vida, uma mulher tenha características de personalidade que vão se desenvolvendo em direções diferentes, frente às diversas experiências vividas. Assim, em cada fase, ela é diferente da anterior.

Como as bonecas russas, que vão aparecendo conforme vamos desmontando a figura maior, o diretor Arnaud des Pallières faz o retrato de uma mulher, começando no presente e indo em direção ao seu passado, procurando um elo de ligação entre elas.

E radicaliza, usando quatro atrizes diferentes para ser a personagem principal. Adèle Haenel é Renée, aos 30 anos, Adèle Exarchopoulos é Sandra, aos 20 anos, Solène Rigot é Karine, aos 13 anos e Vera Cuzytek é a menina de 6 anos.

O espectador que não souber disso, pode ficar meio perdido, pensando que são histórias de mulheres diferentes que estamos vendo. E, de certo modo, é isso mesmo. São todas diferentes e todas a mesma pessoa.

O roteiro foi escrito a quatro mãos pelo diretor Arnaud des Pallières e sua mulher, Christelle Berthevas e é baseado na vida dela.

O filme começa com a história de Renée, uma diretora de escola para crianças filhas de imigrantes. Rosto severo mas uma preocupação tocante com a vida de seus alunos. É casada com Darius (Jalil Lespert) e quer um filho. Há um segredo em sua vida.

É então que somos apresentados a uma jovem vinda do campo para Paris e que procura um emprego. Conhece um homem bem mais velho, viciado em jogo e que a leva para lugares mal frequentados.

A terceira história é a da adolescente Karine, 13 anos, que foge de casa à noite para dançar e seduzir homens mais velhos. É autodestrutiva, corpo jovem marcado por hematomas. Quem bate nela? O padrasto? Onde está sua mãe? Ela se diz órfã.

Sumida por várias noites, quando um policial a interroga, perguntando por que foge de casa, responde:

“- Não sou feliz.”

E o início dessa infelicidade e culpa de ter sobrevivido parece ter sido vivida por Kiki, uma menina com uma família disfuncional que passa por uma tragédia.

O filme tem cenas de sexo, a maioria filmadas em close, porque a sexualidade vai marcar as diversas fases da vida de Kiki. Adolescente, Karine busca no sexo alimento para sua enorme carência afetiva, maiorzinha, Sandra faz do sexo uma moeda de troca e adulta, Renée experimenta, com muito medo, o amor.

“Faces de uma Mulher” é uma tentativa de fazer de forma diferente o que talvez funcionasse melhor da maneira tradicional. E pode irritar o espectador que não reparou no título em português que entrega a chave do enigma, ou seja, a presença de várias mulheres para serem as faces de uma só.

Um filme tocante e que trata de sofrimentos femininos, infelizmente ainda presentes na vida de muitas mulheres, nesse nosso mundo machista.

A Cabana

“A Cabana”- “The Shak”, Estados Unidos, 2015

Direção: Stuart Hazeldine

Se você quer ver o filme “A Cabana” e não gosta de saber sobre o filme antes de assistir, não leia essa resenha porque ela vai ter “spoilers”, ou seja, desmancha-prazeres. Mas quando tiver visto, volte aqui.

O livro do canadense William P. Young que inspirou esse filme foi um sucesso mundial. Vendeu mais de 22 milhões de exemplares, sendo 4 milhões deles só no Brasil.

Vi o filme, interessada em saber por que as pessoas se emocionam tanto com ele, apesar da crítica ter detestado.

A história envolve um personagem que teve uma infância difícil. O menino, filho de um alcoólatra violento, vê a mãe ser agredida e sente-se impotente e culpado por não poder ajudá-la.

Quando expõe para a comunidade da igreja que a família frequenta o que vê em casa, leva uma surra e, de novo, sente-se culpado por ter envergonhado o pai.

Mas, como toda criança tratada de maneira violenta, fica com muita raiva e vemos uma cena em que ele põe veneno na bebida do pai. Não sabemos se foi uma fantasia ou realidade.

Todo mundo fantasia, todo mundo sonha.

Mack, o menino do pai agressivo cresce com a culpa de ter matado, se não na vida real, mas em seu íntimo, aquele que deveria amar e respeitar.

Cresce, cria a própria família, mas sente-se em dívida. Quer ser punido.

Quando acontece o pior e sua filha pequena desaparece, eis o castigo que ele vai receber num misto de grande culpa, depressão e um certo alívio. Chegou afinal o que ele esperava que viesse. Mas que não o redime. Só o castiga, jogando-o numa depressão sombria e empurrando para uma solução fatal. Assim, não vê o caminhão vindo em sua direção na estrada e vai parar no hospital. Dias desacordado.

Perdido em seu duplo luto pelo pai e pela filha, Mack (Sam Worthington) vai sonhar que vê Deus, o Todo Poderoso que ele tacha de cruel.

Só que aquele que é o culpado de ter abandonado Mack e deixado sua filha morrer, é também aquela vizinha que o consolava na infância, com sua torta de maçã e palavras carinhosas.

Octavia Spencer, já oscarizada, faz com desenvoltura o papel de “Papa” (que é como a mulher de Mack chamava Deus) e ensina boas lições para Mack, que precisava pensar para poder sair da depressão e do luto.

E as lições que ele aprende envolvem primeiro ter que entender que ele pode se recriar, com Sarayou ( a japonesa Sumire Matsubara), depois, desenvolver confiança no outro, com o filho de ”Papa”, interpretado com simpatia pelo israelense Avraham Aviv Alush. A corrida deles sobre as águas do lago é um momento inusitado de companheirismo e alegria.

Depois disso, Mack será levado pela personificação masculina de “Papa” frente à Sabedoria (Alice Braga), para entender o senso de justiça e, finalmente, terá que se haver com a capacidade de perdoar.

Já sabemos que quem não perdoa, não será perdoado. Uma lei muito simples. O que condenamos nos outros, condenamos também em nós mesmos.

E eis que Mack é levado a refletir, e também a plateia, que somos os responsáveis por nossas escolhas. Não existe um Todo Poderoso cruel mas a maldade. E, se escolhermos a maldade, vamos arcar com as consequências.

Existe também aquilo que não podemos evitar. Nem Deus.

E isso não é desculpa para nos entregarmos à amargura. Qualquer vida aqui na Terra vai ter sofrimento, muito ou pouco. É a lei da vida. Que tem também prazeres para serem apreciados.

“A Cabana” nos reconcilia com a ideia da bondade, da força do amor, da possibilidade de procurarmos ser pessoas melhores.

Não é um grande filme mas é muito bom nas lições que ensina ou nos faz relembrar.