Maravilhoso Boccaccio

“Maravilhoso Boccaccio”-“Maraviglioso Boccaccio”, Itália, França, 2015

Direção: Paolo e Vittorio Taviani

Oferecimento Arezzo

Um jovem pálido lança-se de uma torre. A imagem lembra as pessoas caindo das Torres Gêmeas em Nova York…

Mas estamos em Florença, Itália, no ano de 1348. A peste negra mata a torto e a direito. Nem animais escapam.

Pais enterram os filhos. Agarram-se tragicamente a eles, alucinados.

Todos tem medo de tocar um doente. Esses morrem sozinhos e depois são recolhidos por uma carroça e enterrados numa vala comum. Novamente imagens que lembram UTIs de hospitais e também a Segunda Guerra.

Mas as pessoas enlouquecidas que vagam pelas ruas de pedra da bela cidade vivem no século XIV.

Claro, tormentos fazem parte inevitável da vida da humanidade.

Mas sete moças resolvem abandonar a cidade e convidam três jovens, namorados de três delas, para acompanhá-las:

“- Estamos decididas a ter um pouco de paz…”

E, numa bela casa toscana, rodeada pelo esplendor dos campos e colinas verdes, os jovens tentam esquecer os horrores da cidade. Logo estão brincando e rindo. E combinam que cada um deles contará, a cada dia, uma história para distrair os outros.

Mas uma regra se impõe. Nada de amor. Afinal são só três pares e fariam inveja aos outros.

E, no dia seguinte, depois de uma noite ainda infestada de pesadelos, sentam-se nos bancos do jardim e uma das moças começa a contar uma história de amor. A bela Catalina, é abandonada pelo marido e levada morta para a cripta de uma igreja distante. Seu apaixonado secreto é o único que a segue.

O amor aqui é cura, ressureição. Mas, pensar no amor que sentem um pelo outro, faz um dos pares de namorados temer a morte e a separação e chorar.

E, por isso, a nova história volta-se para outros assuntos. Há trapaça, desrespeito, violência. Novamente a morte?

Para escapar de pensamentos mórbidos, nada melhor que comer e beber.

As cenas das histórias num cenário sempre teatral, com uma luz mágica, vinda das janelas ou de velas, mostram pessoas belas cercadas de uma natureza esplêndida. A idealização impera.

Mas como esquecer o desejo? E, fatalmente, o que é negado aos jovens, reaparece nas histórias. Na seguinte, um pai mata, de tanto amor que tem por sua filha.

E, novamente, precisando se esquecer do desejo, correm para o lago, onde mergulham as moças, depois de despir suas túnicas coloridas.

Mas não há como escapar e a nova história fala francamente da força do desejo numa insuspeitada abadia.

E a última história, a fábula do falcão, é a que traz à tona o amor generoso, que tudo dá, mesmo que nada mais reste.

O que querem dizer os irmãos Taviani com toda a sabedoria que acumularam em suas longas vidas?

Talvez que a vida sem amor não vale a pena. Que não adianta querer sepultar o desejo porque ele renasce. Assim como a chuva é benéfica para a terra, assim é o amor para a humanidade. Não afasta a morte porque é tão natural quanto ela.

Livremente inspirados no “Decameron” de Boccaccio, os irmãos Taviani fazem uma leitura estética dessa obra, com a cenografia, os figurinos e a iluminação, tudo a serviço de criar para a câmara, quadros renascentistas maravilhosos.

Um belo filme com uma sábia lição sobre a vida e sua inevitável fragilidade.

A Assassina

“A Assassina”- “Nie Yin Niang”, Taiwan

Direção: Hsiao-Hsien Hou

Se você gosta de ver beleza na tela do cinema, não perca “A Assassina”, filme do diretor nascido na China continental e criado em Taiwan, Hsiao-Hsien Hou, 69 anos.

Aparentemente, “A Assassina” é do gênero “wuxia”, ou seja, filme que mistura fantasia e lutas marciais, basicamente lutas de espadas em um mundo imaginário feudal. Este tipo de cinema foi e ainda é muito popular em Taiwan mas aqui, o diretor despreza as lutas agressivas e com gritos. Porque “A Assassina” usa dessa estética marcial para elevá-la a uma superioridade tal, com relação aos outros filmes do gênero, que nem se pode realmente dizer que faz parte dos “wuxia” tradicionais.

O que distingue “A Assassina” é o convite à contemplação de quadros seja da natureza, seja de lugares íntimos de família.

Tudo muito sofisticado, não só na escolha dos lugares a serem filmados, como na confecção dos materiais usados na recriação de interiores e do vestuário. A câmara é quase sempre fixa, mesmo durante as lutas e há velaturas da imagem, seja pela neblina, vegetação, luzes de velas ou panos transparentes.

Apesar da lentidão de algumas cenas, a beleza é tamanha que desconcentra o espectador da trama. Perdemos nossa vontade de ir além para tentar entender melhor os detalhes, que são tantos, as cores e as coreografias. E por que não citar aquela montanha de pedra da qual adivinhamos o tamanho e nos enganamos? Lá estão, depois da primeira visão, homens e cavalos para que a natureza adquira sua dimensão comparada ao humano. É fascinante esse desconhecimento dos espaços do qual nos damos conta.

O filme conta a história de Nie Yinniang (Oi Shu, belíssima, delicada e feroz como uma pantera negra), filha de um general, sequestrada por uma monja taoísta aos 10 anos de idade, para treiná-la em sua arte com espadas e torná-la uma justiceira. Seu alvo são os governantes poderosos e corruptos.

E a aluna é considerada inigualável pela mestra que a treinou. No entanto, enviada para uma missão que envolvia o assassinato de um governador cruel que matara seu próprio pai e irmão, Yinniang não consegue executar o que lhe foi pedido. Vemos que fica sem ação porque o homem estava com o filho no colo.

“- Você deveria ter matado primeiro a pessoa que ele ama e depois ele mesmo.”

E a mestra decide mandá-la para outra missão, que também é um castigo. A jovem terá como alvo seu primo, Tian Ji-an (Chang Chen), a quem fora prometida em casamento quando ainda criança. O primo era um importante governante da província de Weibo, a mais poderosa da China no século IX, que marca o final da dinastia Tang (618-907) .

E agora é muito mais difícil para Yinniang pois ela, que nunca teve família, observa o primo com os filhos e a esposa. E seus sentimentos vão se impor com tamanha força, que ela vai se deparar com um conflito sobre o seu futuro.

Alguns dizem que é complicado entender a história porque quase não há diálogos. Mas parece que foi de propósito. O diretor está mais interessado em deslumbrar  nossos olhos. A história é um mero pretexto.

Quando passou no Festival de Cannes, levou o prêmio de melhor direção para Hsao-Hsian Hou, do júri presidido pelos irmãos Cohen e foi indicado para o Oscar 2016, na lista dos cinco finalistas, representando Taiwan.

Belíssimo, o filme apresenta também uma grande interpretação de Oi Shu, que faz com alma a justiceira sem direito à vida afetiva. As coreografias das lutas são verdadeiras danças e ela se movimenta com graça e agilidade.

 “A Assassina” é um dos filmes mais bonitos que eu já vi. Recomendo.