O Médico Alemão

“O Médico Alemão”- “Wakolda” França/Argentina/Espanha/Noruega,2013

Direção: Lucía Puenzo

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Nos anos 60, ficou célebre a caçada que agentes israelenses fizeram a Adolf Eichmann, um dos maiores criminosos nazistas da Segunda Guerra, o responsável pela chamada “solução final”, ou seja, a organização estratégica do transporte de judeus para os campos de extermínio. Ele conseguiu fugir da Alemanha e vivia na Argentina com a família. Foi levado para Israel, onde foi julgado e condenado à morte.

Outro criminoso nazista, Josef Mengele, também procurado pelo serviço secreto de Israel, soube da prisão de Eichmann em Buenos Aires e fugiu para o Paraguai. Nunca foi encontrado e na versão oficial ele morreu afogado em 1979, em Bertioga, Brasil.

Mas onde estava Mengele antes de fugir para o Paraguai?

Lucía Puenzo, 37 anos, interessou-se pelo asssunto e escreveu um livro de ficção. Da adaptação desse livro surgiu seu terceiro longa, “O Médico Alemão”, produzido por seu pai, Luiz Puenzo, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1984 com  “A História Oficial”. Essa família talentosa tem também um excelente diretor de fotografia, Nicolás Puenzo, responsável pelas belas cenas do filme da irmã.

Tudo começa quando uma família argentina, a caminho de Bariloche, vai atravessar a Rota do Deserto, na Patagonia. Um médico alemão, que se apresenta como Helmut Gregor, pede para segui-los em comboio, com medo de ir sózinho.

Quem chamara a atenção desse médico (Alex Brendemuhl) fora a menina da família (Florencia Bado). Ele se aproxima dela e conversam sobre sua boneca:

“- Chama-se Walkoda e foi meu pai quem a fez. Ela é especial porque nesse buraco no peito vai ter um coração. Não brinco com bonecas. Estou acostumada que pensem que tenho nove anos. Mas tenho doze”, diz Lilith, uma garota bonita, loura, de olhos azuis.

Através da menina, que é a narradora da história, ficamos sabendo e, vemos na tela, as páginas desenhadas de um diário, com muitas anotações:

“- Nesse dia, ele escreveu que eu era um “especimen” perfeito, a não ser por minha altura.”

Para quem sabe um pouco de história, surge a primeira suspeita sobre quem é aquele alemão.

Eva (Natalia Oreiro), mãe de Lilith, fala alemão e conta para o médico que estão voltando para a hospedaria dos pais dela, com a intenção de reabri-la.

“- As crianças também falam alemão?”

“- Não. Mas entendem” responde Eva.

“- E eu não falo nem entendo,” interrompe o pai (Diego Peretti) que olhava com desconfiança para o estrangeiro.

O fato é que chegando ao destino, o alemão arranja um jeito de aproximar-se mais dessa família, sendo o primeiro hóspede do belo chalé frente ao lago.

A casa vizinha tem um entra e sai de hóspedes num hidroavião. E no jardim, pessoas com cabeças enfaixadas são acompanhadas por enfermeiras uniformizadas.

“- Sinto-me como se voltasse para casa”, comenta o médico com Eva, que está grávida de gêmeos.

Com que intenção esse homem se aproxima da menina e da mãe dela? Tememos por elas.

A tensão dramática que Lucía Puenzo cria é eficiente, apesar de não ser difícil identificar o médico como Josef Mengele, conhecido como “Anjo da Morte”, por suas experiências cruéis com judeus presos em Auschwitz, especialmente com gêmeos.

“O Médico Alemão” foi indicado como o concorrente da Argentina ao Oscar 2014. Não foi selecionado.

Mas é um ótimo filme na recriação de época, belas paisagens, atores excelentes e, principalmente, pela narrativa através dos olhos de uma criança crédula, que se decepciona intensamente e que adivinha crueldade onde vira apenas carinho e proteção.

Antes do Inverno

“Antes do Inverno”- “Avant l’Hiver”, França, 2013

Direção: Philippe Claudel

Naquela casa de vidro tudo parece impecável. Cercada por um lindo parque, ela nem parece habitada. Ou melhor, tudo está sempre tão perfeito, que nada ali denuncia o humano. Dir-se-ia um cenário.

Mas, aos poucos, um detalhe aqui, outro acolá, e a casa começa a ver seus habitantes palpitarem de vida.

Lucie, no fim dos 50 anos, não esconde o seu enfado, passando os dias a gastar sua energia no jardim e na cozinha, preparando o jantar para Paul, seu marido neuro-cirurgião, que passa muito pouco tempo em casa.

“- Por que você acorda tão cedo?” pergunta o marido à mulher.

“- Para poder te ver um pouco…” responde ela.

Mas não há reclamações nem brigas. Os dois, muito civilizados, ouvem música, tomam vinho tinto e comentam coisas sem importância.

Lucie é a melhor amiga e confidente de Gérard, psiquiatra que tem consultório na clínica de Paul, de quem é grande amigo. Os três personagens estão vivendo os últimos dias do outono de suas vidas, antes do inverno, ou seja, velhice e aposentadoria.

É nesse momento que muitas pessoas perguntam se viveram as vidas que queriam ter vivido. Perguntas difíceis porque não há respostas prontas, nem tempo para se fazer outras escolhas. Ou ainda há?

Esse é o tema do filme “Antes do Inverno” de Philippe Claudel, escritor e diretor de cinema. Seus personagens são expulsos do cenário tranquilo de suas vidas aceitáveis, quando buquês de rosas vermelhas começam a aparecer por toda a parte. Quem as envia? O que querem dizer?

Uma moça morena (Leila Bekti) parece perseguir Paul.

Alguma coisa terrível aconteceu porque a polícia interroga o grande neuro-cirurgião nas primeiras cenas do filme, antes do “flash-back”.

Os atores Daniel Auteil e Kristin Scott-Thomas estão soberbos na construção do casal que está junto há tanto tempo, que acham que tudo vai continuar assim até o fim.

Mas a vida encarrega-se de mexer com as pessoas e de tirá-las de um equilíbrio instável. São chamadas a responder perguntas que nunca fizeram a si mesmas ou, pelo menos, não em voz alta.

“Antes do Inverno” é um filme que mexe com a zona de conforto que todos os personagens construiram para si mesmos.

Aliás, tanto eles como todos nós. E, por isso, o filme talvez seja incômodo e melancólico para alguns. Quem não aguentar o tema, evite.