Que estranho chamar-se Federico – Scola conta Fellini

“Que Estranho Chamar-se Federico – Scola Conta Fellini”- “Che Strano Chiamarsi Federico” Itália, 2013

Direção: Ettore Scola

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Estranhamente o filme começa com um ator recitando versos em espanhol:

“Entre los juncos y la baja tarde,

qué raro que me llame Federico”

Ettore Scola, 83 anos, mostra desse modo de onde veio a inspiração para dar título a seu filme, homenagem ao grande homem, de quem foi amigo por 50 anos.

Usando o verso do poeta espanhol, Federico Garcia Lorca, morto pelos fascistas espanhóis na guerra de 1936, Scola lembra que a época em que a vida artística de Fellini começou, foi também a do fascismo na Itália, sob Mussolini. E que Fellini pertence também, como Lorca, à galeria dos rebeldes inspirados.

E, na tela, um desenho do próprio Ettore Scola vai se tornando uma imagem do Maestro (1920-1993), sentado em sua cadeira de diretor, com o famoso chapéu, frente ao mar, onde o sol se põe em vermelhos e laranjas cinematográficos.

Já noite, desfilam perante o cineasta, seus personagens: uma bela negra dança à luz de um holofote, o espetáculo continua com o mágico de cartola que faz seus números, depois é a vez do palhaço, seguido pelo engolidor de fogo e bolhas de sabão que encantam um menino.

Esse prólogo coloca-nos imediatamente dentro de um filme de Fellini, porque nossa memória afetiva reconhece seus personagens do circo, de sonhos e da infância.

E um trem adentra o Studio 5 de Cinecittá (onde foram rodados quase todos os filmes dele), trazendo o jovem Fellini de Rimini para Roma, com 19 anos, para trabalhar no jornal Marc’Aurelio, em 1939. Traz seus desenhos de cartunista.

Assim também tudo começa para Ettore Scola que, aos 16 anos, já depois da guerra, também vem trabalhar no mesmo jornal.

Os dois ficam amigos. Mas, antes da fama, passaram pelo teatro de revista e escreveram roteiros de cinema para outros diretores.

Nas noites de insônia, anos mais tarde, passearam juntos na Mercedes branca de Fellini, através de Roma. Ali, nesse mini-palco, o maestro entrevistava pessoas como o pintor de calçadas e a prostituta “Gioconda”, inspirações para personagens de seus filmes.

E Fellini filosofa com a história da prostituta:

“- Acho que a mulher é o planeta desconhecido, com quem o homem quer encontrar a parte que ele ignora de si mesmo, a parte obscura.”

Aquele que se intitulou em suas memórias “Fellini: Sou um Grande Mentiroso”de 2003, é desculpado por Giulietta Masina (1921-1994), sua mulher:

“- Para ele não é mentira, é tudo fantasia.”

E esse mix de realidade e sonho é o clima do filme de Scola, que foi o único que convenceu Fellini a fazer o papel dele mesmo em “Nós que nos Amávamos Tanto”1974. Ele aparece fazendo a cena da Fontana di Trevi de “La Dolce Vita”, com Anita Ekberg e Marcello Mastroianni. No fim da filmagem da cena, um fã dá os parabéns a Fellini, confundindo-o com Rossellini, o que provoca gargalhadas dos dois amigos.

Interpretados os dois quando jovens por dois netos de Scola e com roteiro de sua filha Sylvia, o filme é um tributo à Fellini e sobretudo à amizade deles.

Cenas com atores se misturam a cenas reais de arquivos, gravações da voz de Fellini, recriações de cenas famosas, entrevistas de Alberto Sordi e Vittorio Gassman para o papel de Casanova que acabou com Donald Shutterland, Orson Wells, Marcello Mastroianni e sua mãe reclamando de Scola que faz o filho dela ficar feio e elogiando Fellini que o faz belo, mil pedaços da vida e filmes de Fellini, ao som de Nino Rota, coladas com carinho e talento por Ettore Scola.

Um filme para ser visto e revisto pelos que amam a obra do grande mestre do cinema e para ser descoberto pelas novas gerações.

Anos Felizes

“Anos Felizes”- “Anni Felici” Itália/França, 2013

Direção: Daniele Luchetti

Os anos 70 foram uma época de contestação política, ecoando 1968, que foi o mais emblemático desse período. Assim como as ideias políticas, os costumes eram criticados por uma geração que pedia mais liberdade em tudo que fazia. “ É Proibido Proibir”, pichação nos muros de Paris, virou canção famosa de Caetano Veloso.

A história de “Anos Felizes” dirigido por Daniele Luchetti, é contada do ponto de vista de um garoto no começo da adolescência e narra o que aconteceu com a família dele no verão de 1974.

O pai (Kim Rossi Stuart) é um artista plástico que quer ser de vanguarda e faz “happenings”. Num deles, mulheres nuas pintam o corpo também nú de Guido, numa galeria em Roma.

“- O próprio corpo do artista é a obra de arte” pontifica Guido, que não agrada em nada à mulher dele, Serena (a bela Micaela Ramazzotti, que sorrindo lembra  Leila Diniz, musa dos nossos anos 70).

Noutro, Guido pede ao público:

“- Sete corpos para assinar com minhas mãos! Mas o burguês tem medo, renega a arte!”

Silêncio na plateia e, de repente, Serena levanta-se e tira a blusa. Vai até o marido que, sem jeito, tem que “assinar”o corpo dela.

“- Não era para ninguém se oferecer. Aquilo era uma provocação! Eu queria que o espectador se defrontasse com sua incapacidade de se apresentar!” reclama Guido em casa, com acidez.

Os dois filhos presenciam a briga calados e percebem que a mãe não está contente. O casal de jovens, pai e mãe deles, se desentende.

“- Acho que ele tem vergonha de mim… Quer uma intelectual…” desabafa Serena com a amiga Elke (Martine Gedek).

E aí continua o verão de 1974, com Serena e os filhos, numa praia francesa, com um grupo de feministas. O narrador, que é o filho mais velho, documenta tudo que vê com uma câmara pequena. E quem é a rebelde agora, é a mãe dele.

Claro que os meninos adoraram aquelas férias, brincando com as filhas das mulheres que descobriam uma nova forma de amar.

“- Sem dúvida, foram anos felizes… Pena que nenhum de nós percebeu…” diz o narrador já adulto, no fim do filme.

E talvez isso aconteça com todos nós. Uma idealização do passado que se expressa em frases populares e universais como : “eu era feliz e não sabia.”

O desejo de reviver aqueles anos passados com o total usufruto, negado por nossa inocência ou inexperiência, é fruto da insatisfação eterna que marca a natureza humana.

E é vivendo que se aprende que essa nostalgia, essa vontade de voltar atrás, não passa de uma ilusão.

“Anos Felizes” é um retrato simpático daqueles anos dourados que não voltam mais.