Flores do Oriente

“Flores do Oriente”- “Jin Ling Shí San Chai”, China/ Hong Kong, 2011

Direção: Zhang Yimou

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Uma neblina densa cobre a tela. Ouvem-se ruídos de pessoas correndo em meio a escombros, fumaça e fogo.

Não conseguimos identificar ninguém. É uma massa que se mistura no cenário de horror. Fogem desesperados e sem rumo.

Mas a câmara aproxima-se mais e vemos um grupo de mocinhas, lideradas por um rapazinho (o ótimo Huang Tianyuan). Muito pálidas, vestem um uniforme cinza e correm como podem, evitando obstáculos de todo tipo.

Perto delas, um homem branco também corre, tentando não pisar nos corpos que se amontoam nas ruas.

Soldados japoneses enfiam seus fuzis com baionetas nos montes de escombros. Quando a baioneta sai ensanguentada, sinal de gente viva, atiram sem piedade.

Estamos na China em 1937. Depois de conquistar Shangai, o exército imperial japonês luta a última batalha com tropas chinesas na cidade de Nanquim, depois de 20 dias de bombardeios.

“Flores do Oriente”, o último filme do prestigiado diretor chinês Zhang Yimou, 56 anos, dos belíssimos ”Lanternas Vermelhas”1991 e “Clã das Adagas Voadoras”2004, conta o episódio da 2ª Guerra Sino-japonesa, que ficou conhecido como “O Massacre de Nanquim”.

No dia 13 de dezembro de 1937, tropas japonesas mataram milhares de chineses (estima-se um número que vai de 100.000 a 300.000 pessoas). Mas o pior da ferocidade desse massacre foi a caça dos soldados japoneses às mulheres chinesas, que foram estupradas e mortas sem piedade.

No filme, o agente funerário John (Cristian Bale) que tinha vindo enterrar o padre da Winchester Cathedral, refugia-se lá dentro com as meninas.

Logo, um outro grupo, muito diferente, procura abrigo na Catedral: as13 mulheres de um bordel de Nanquim.

Vestidas com roupas coloridas, acessórios extravagantes, muito maquiadas e com sua algazarra, faziam um contraste inesperado com as meninas de uniforme.

Protegidas por John, que se faz passar por padre, tanto as meninas como as prostitutas vão se unir, deixando os preconceitos de lado.

John encanta-se com a líder do bordel, Yo Mo (a linda atriz estreante Ni Ni) provocante e sedutora, com os lábios sempre vermelhos e o corpo insinuante num vestido “sexy”. Mas o amor não tem vez em uma situação angustiante de vida ou morte.

E, no entanto,no final, vai haver um sacrifício em nome de um amor mais generoso e mais solidário que o romântico.

O filme é baseado no livro “The 13 Women of Nanging” da escritora Yan Gelling, que nasceu nos anos 50 em Shangai. Zhang Yimou conta a história de um jeito que emociona e aperta o nosso coração, ao mesmo tempo que o diretor evita ser muito cru, filmando em câmara lenta e através de detalhes menos sórdidos, sem evitar o sangue e a violência.

A direção de arte é um ponto alto e a fotografia esplendorosa.

“Flores do Oriente” é um drama de guerra com um toque original que prende nossa atenção e nos torna solidários com os personagens.

Pena que alguns críticos qualificaram de “estetizante” a maneira de Yimou filmar esse terrivel episódio, ao mesmo tempo que o acusam de mostrar os japoneses de forma maniqueísta, como inimigos impiedosos.

O fato é que até hoje as relações entre China e Japão estão estremecidas e que os chineses tem horror aos japoneses…

Mas vá ver “Flores do Oriente” e julgue você mesmo.

O Que Eu Mais Desejo

“O Que Eu Mais Desejo” – “Kiseki”, Japão, 2011

Direção: Hiroka zu Kore-Eda

Quem já não pensou em realizar um desejo vendo uma estrela cadente no céu?

Pois, no Japão, o menino Koichi (Koki Maeda), só quer um coisa nesse mundo: ter de volta a sua família.

Seu pai e mãe se separaram e ele sente falta do pai e do irmão Rynosuke (Ohshiro Maeda, que é irmão de Koki na vida real). Os dois moram no norte da ilha enquanto ele e a mãe moram no sul, com os avós dele.

A história da estrela cadente, que realiza desejos, ganhou aqui uma nova versão. As crianças acreditam que quando dois trens-bala se cruzam, a energia é tal que um milagre acontece e, quem presencia o evento, realiza um desejo.

Koichi não pensa em outra coisa. Quer planejar uma excursão a esse lugar com poderes mágicos e conseguir ter, de novo, junto a ele e a mãe, pai e irmãozinho.

O quotidiano da cidade e seus habitantes é mostrado na primeira parte do filme por uma câmara tranquila, que deixa os personagens à vontade, em sua vida simples e sem luxos. Quase todos são crianças ou velhinhos aposentados, porque a maioria dos jovens deixaram a pequena cidade à procura de realizar seus sonhos em Tóquio.

E tudo é vida que passa sem atropelos maiores, a não ser por uma apreensão resignada que paira sobre a cidade. Lá existe um vulcão ativo que lança cinzas sobre as ruas e os habitantes de Kagoshima.

Todos vivem sob sua ameaça mas sem pensar muito nisso, numa resignação vital.

No quarto de Koichi vemos, pendurado na parede, um desenho com o vulcão em plena explosão, lançando lavas de fogo para o céu. Para ele, a pior erupção já acontecera. Foi no dia em que seus pais se separaram e ele perdeu a família…

A segunda parte do filme, que conta a execução do plano secreto de Koichi é poética e divertida. Táticas e truques são usados pelas crianças para conseguir a adesão de alguns adultos, enquanto mostram seu lado prático e também seus receios pelo sucesso da excursão.

A cena no jardim sem dono que mostra o encantamento das crianças com as flores que nascem ao léu, é pura delícia.

Kore-Eda é um mestre do cinema japonês que gosta de se ocupar com crianças. O seu “Ninguém Pode Saber” de 2004 é uma denúncia trágica do abandono.

Aqui é a delicadeza que preside ao desenrolar da história, contada sem pressa, fazendo a plateia presenciar as pequenas e as grandes perdas que todos vivem naquela cidade, onde a vida segue seu curso esperado, mesmo que à beira de uma possível tragédia sem aviso prévio.

A perda do narcisismo egoísta infantil vai acontecer quando menos se espera e vai levar um menino ao caminho do crescimento, guiado por um pai ausente fisicamente mas presente na mente do filho.

Ajuda muito a apreciar “O Que Eu Mais Desejo”, o fato de não nos esquecermos de lembrar da nossa própria infância durante o filme. É terapêutico.