Abraços Partidos

"Abraços Partidos", 2009

Direção: Pedro Almodóvar

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O mais conhecido diretor espanhol, depois de Luis Buñuel, diz sobre esse seu décimo sétimo filme, em uma entrevista:

“- Eu acho que esse roteiro é o mais complexo que eu já escrevi…fiz esse filme partindo dos meus outros filmes…e dessa vez os personagens masculinos são tão importantes quanto os femininos. Isso é novo para mim. Acho que esse filme é uma verdadeira declaração de amor ao cinema.”

Por essas colocações, o espectador pode se preparar para um verdadeiro “tour de force” porque “Abraços partidos” tem várias camadas. E pode confundir os menos avisados.

A história do filme é labiríntica e sensual. O clima é de obsessão e paranóia. O suspense a la Hitchcock envolve a platéia pela curiosidade e tensão por meio de “flashbacks” e reviravoltas, decepções e surpresas.

Almodóvar brinca com o gênero “noir” e o melodrama, usando seu extraordinário talento de contador de histórias. E aqui os temas serão a dupla identidade,a paranóia romântica e o destino como a vida já escrita.

No início do filme vemos Harry Caine (Lluis Homar), um homem que não enxerga, viver por seus outros sentidos.

Diz:”- Uma vida só não me bastava…”

E, aos poucos, vamos entendendo que Harry Caine é o pseudônimo de Mateo Blanco, diretor de cinema apaixonado por sua atriz (Penélope Cruz, pós Oscar e pós Woody Allen e magnífica).

Quatorze anos antes ele sofrera um brutal acidente de carro na ilha de Lanzarote, no qual perdeu não só sua visão mas o amor de sua vida.

A partir de então, como que querendo matar o seu passado que o faz sofrer, Mateo Blanco adota definitivamente o nome de Harry Caine e vive uma vida baseada no auto-engano.

Quem o salva dessa amnésia reconfortante mas mumificadora é Diego (Tamar Novas), filho de sua assistente Judith (Blanca Portillo). Ele lhe pede após um acidente, deitado em sua cama de convalescente, que Harry lhe conte a história de sua vida quando ainda era Mateo Blanco.

Surpreso com o pedido, Harry conta essa história a Diego, como um pai que quer fazer dormir o seu menino.

E a história de Mateo, Lena, Judith e Ernesto Martel (marido de Lena) é um labirinto de paixões, ciúmes, traições e fatalidade.

Almodóvar conta em uma entrevista sobre a imagem que contém a chave para entender “Abraços partidos”. E que no filme aparece como uma foto de Lena e Mateo. Almodóvar mesmo a tirou. Mostra a praia do Golfo na ilha de Lanzarote em 2000. Quando foi revelada, a foto mostrou que havia um casal se abraçando quando Almodóvar clicou sua máquina.

“- Eu senti que esse casal tinha um segredo’’diz Almodóvar. “A ilha inteira guardava esse segredo. Eu tinha que desvendá-lo”.

E “Abraços partidos” é o desvelamento desse segredo que envolve coincidências trágicas.

A um certo momento do filme aparece na TV, que Lena e Mateo assistem, trecho do filme de Roberto Rossellini,

 

“Viaggio in Italia” que mostra arqueólogos encontrando em Pompéia os corpos petrificados de um casal abraçado, fatalmente colhido pelas lavas do Vesúvio.

O “close” de Ingrid Bergman traz uma pista apaixonante para entendermos “Abraços partidos”. Ela chora horrorizada. E sabemos o quanto foi apaixonada essa atriz pelo seu diretor…

Há outras inúmeras homenagens ao cinema em “Abraços partidos” como as fotos em que Penélope Cruz encarna, como Lena, Audrey Hepburn e Marilyn Monroe.

Os personagens do filme são atores atuando em um filme dentro de um filme.

E não é à toa que Lena usa o pseudônimo Sévèrine quando trabalha como garota de programa. Lembram-se de Cathérine Deneuve em “Belle de Jour” de Buñuel? Seu nome era Sévèrine quando não estava no bordel.

Pedro Almodóvar depois de um Oscar pelo roteiro de “Fale com ela”(2002), 90 outros prêmios e 59 indicações, continua a fazer um cinema de autor que brilha pela originalidade.

As cores fortes, o humor escrachado e o interesse pelos personagens à margem das normas sociais continuam presentes também em “Abraços partidos”.

Esse filme que enfatiza a estética almodovariana de histórias circulares, comove e envolve. E escancara sua paixão pelo que ele faz tão bem: cinema.

“- O cinema pode preencher os espaços vazios de nossa vida e nossa solidão”, disse ele um dia.

Almodóvar  “dixit” (falou!)

Lula, o filho do Brasil

"Lula, o filho do Brasil", 2009

Direção: Fábio Barreto

Uma certa parte da imprensa escreveu sobre o filme ‘’Lula,o filho do Brasil’’, com tanto mau humor que dá para sentir como a inveja rói o coração daqueles que torcem para o fracasso do presidente Lula. Se não conseguem passar a imagem de um governo equivocado (porque ele vai muito bem, blindado quanto a esse tipo de destruição barata) então trabalham para que, pelo menos, o filme seja um fiasco.

Dizem eles que a biografia de Lula foi idealizada no filme.

Ora, uma criança que nasce no sertão, com falta de tudo, em uma família grande, com pai grosseiro e violento parece ser candidata a todas as misérias. Pois não foi isso que aconteceu com o filho de dona Lindú, incarnada no filme por uma extraordinária Glória Pires.

A mãe de Lula é uma sertaneja forte que leva a família para a frente com determinação e confiança. Nela, o olhar fala mais que as palavras. No rosto de Glória Pires, uma Lindú amorosa e continente, é toda a esperança do menino Lula dar certo.

Freud já disse em seus escritos que o filho muito amado por sua mãe é destinado ao sucesso. Acho que não qualquer mãe, nem qualquer filho. Mas nesse caso e no seu próprio, Freud acertou.

Quando o filme estrear, a partir desse primeiro de Janeiro de 2010, vai arrastar multidões aos cinemas de todo o Brasil.

O produtor Luis Carlos Barreto diz que o filme de seu filho Fábio, baseado no livro de Denise Paraná, co-roteirista, quer contar uma história extraordinária. E conta.

Antes mesmo dos letreiros iniciais, começa a saga dessa família nordestina que vem para São Paulo depois de 13 dias e 13 noites no caminhão pau-de-arara sacolejante, em uma estrada poeirenta.

Criticam também o filme dizendo que é linear e didático. Feito para o povo.

Ora, a história de Luis Inácio ‘’Lula’’ da Silva é contada no filme de forma simples porque dispensa manejos técnicos para assombrar.

Senão,vejamos uma cena no princípio do filme.

Já na escolinha do sertão o menino encanta a professora (Lucélia Santos em uma ponta bem aproveitada):

“- Eu queria dizer para a senhora que seu filho é muito inteligente.Eu podia ficar com ele e…’’

“- Muito obrigada professora mas eu mesma é que crio os meus filhos’’, responde uma Lindú confiante e firme, que olha aquela promessa de sucesso com carinho.

E na platéia da Escola do SENAI, anos depois,aplaude satisfeita o filho Lula que recebe seu certificado de torneiro mecânico.

A presença dessa mulher será o pano de fundo no qual vai se desenrolar o destino desse menino, depois rapaz e homem adulto que ninguém diria ser um predestinado. Mas que assim vai ser visto, tempos depois, por toda uma nação.

Os atores escolhidos para o papel de Lula são desconhecidos do público. Mais um acerto do filme. Felipe Falanga faz um Lula menino, questionador e sempre do lado da mãe. Guilherme Tortolio representa o Lula adolescente curioso e com espírito de humor. Rui Ricardo Dias interpreta Lula adulto.

Todos estão bem. Mas a Rui cabe a parte mais difícil, tendo o ator acertado em não fazer em nenhum momento uma imitação de Lula. O que seria desastroso.

Cléo Pires seduz com seu encanto, fazendo Lurdes, a primeira mulher de Lula que morre com seu bebê no parto, enquanto Juliana Baroni surpreende com uma Marisa Letícia muito fiel à própria.

Dizem também que há alguns erros históricos e injustiças no que diz respeito à história do movimento operário no qual Lula se formou para a liderança política. Acho que é muito difícil falar da história que toda uma geração, que ainda está na ativa, viveu. E nem parece ser essa a intenção do filme. Outros filmes virão e a história recente do Brasil será contada aos poucos de vários pontos de vista.

Uma coisa é certa. Com filme ou sem filme, somos todos filhos de um Brasil que com Lula recupera sua auto-estima e valor perante nós mesmos e o mundo.

Aplausos para dona Lindú e seu filho.