Invictus

Invictus, Estados Unidos, 2009

Direção: Clint Eastwood

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Nelson Mandela não foi um santo. Foi, e ainda é aos 91 anos, um homem com agudo senso político.
“Invictus” conta de forma sóbria, mas com emoção, um momento da história desse homem negro com uma sina pesada de 27 anos de prisão, durante os quais escapou de uma condenação à morte comutada por prisão perpétua.
Mandela foi libertado aos 70 anos e quatro anos depois tornou-se o mais velho presidente sul-africano a assumir o cargo em um país à beira de uma guerra.
Um dos líderes mundiais mais respeitados do século XX, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993.
O talentoso diretor Clint Eastwood escolheu dessa vez (ele que é especialista em histórias de superação) contar a vida de Nelson Mandela, interpretado por um magnífico Morgan Freeman (a caminho de mais um Oscar), a partir de seu primeiro ano de mandato como presidente de seu país.
O roteirista sul-africano Anthony Peckham inspirou-se no livro “Conquistando o inimigo” do jornalista John Carlin que era representante de um jornal estrangeiro na África do Sul nesse período em que aconteceu o episódio que vamos conhecer através do filme.
E nos emocionamos com o que vamos descobrindo porque Mandela foi, principalmente, um ser humano que surpreende por sua escolha radical pelo perdão.
Na linha dos grandes líderes espirituais da huhumanidade (Buda, Cristo, Gandhi), acreditava no perdão como um libertador da alma humana.
“Porque afasta o medo, o perdão é uma arma poderosa”, diz Morgan Freeman encarnando um Mandela doce e persuasivo em uma das passagens iniciais do filme.
“Invictus” mostra como ele desenvolveu uma política de união e reconciliação, acabando assim com o “apartheid”, segregação racial que parecia destino da África do Sul.
Através de Morgan Freeman, vemos Mandela falar com voz mansa aos seus irmãos negros que queriam o confronto com os brancos:
“Temos que surpreendê-los com compaixão e generosidade. Sei que nos negaram tudo mas este é um tempo para construir uma nação, não para vinganças mesquinhas.”
Sábio como os antigos gregos, Madiba, como era chamado pelos negros sul-africanos, que assim honravam o título dado aos mais velhos no clã de Mandela, resolveu usar o rugby, esporte favorito dos brancos africâners, como um meio para unir a minoria branca e a maioria negra em torno a uma idéia comum de nação.
Matt Damon, indicado para o Oscar de ator-coadjuvante, faz com classe François Pineaar, capitão de um time de rugby que deixava a desejar, que compreende o que o presidente de seu país apenas lhe sugere:
“Como fazer com que as pessoas se inspirem para se tornar melhores do que são?”
Mandela compartilha então com o jovem capitão os versos de um poema que o inspirou a resistir ao ódio e a fazer vencer seus sentimentos mais nobres durante os seus anos de prisão, numa cena especialmente reveladora de seu poder de liderança amorosa:
“Agradeço a todos os deuses por minha alma invencível.
Sou o capitão do meu destino.
Sou o mestre de minha alma.”
Claro que todos nós sabemos que nunca ninguém irá convencer os outros se não praticar aquilo que prega.
“Invictus” mostra como Mandela praticou o perdão e convenceu os sul-africanos a se reunir por uma pátria para todos.
Clint Eastwood, aos quase 80 anos, ele mesmo também um humanista, revela nesse filme sua admiração por Nelson Mandela que sonhava com uma nova África, um lugar de construção ou como dizia, “um farol para o mundo”. Além de dirigir o filme, compôs a música “Invictus 9.000” para a qual seu filho Kyle escreveu a letra.
A câmera sensível e sóbria de Clint Eastwood faz desse filme uma homenagem a esse homem singular. O diretor só usa e abusa de apelos emocionais, câmera lenta, closes, urros e gemidos durante o jogo final.
Clint Eastwood acerta mais uma vez. Quando se tem uma história real desse naipe, o melhor é deixar que os personagens falem, atuem e emocionem o espectador.

Chéri

“Chéri”, Inglaterra/França, 2009

Direção: Stephen Frears,

Cenários suntuosos onde brilham materiais e móveis preciosos sob uma iluminação perfeita. Locações de sonho: Paris, Normandia, Biarritz. Figurinos de época trabalhados com arte para encantar. Elenco de primeira, tendo à frente uma belíssima mulher e um jovem lindo como um deus grego.

Mas não se enganem. Esse não é mais um filme de época feito para ganhar alguns Oscars de segunda categoria.

Vinte e um anos depois de impactar o mundo do cinema com o seu premiado ”Ligações perigosas” (“Liaisons dangereuses”,1988) no qual tratava das defesas perversas frente aos perigos do amor, o diretor inglês Stephen Frears traz para a tela “Chéri” (2009), baseado no livro de 1920 da escritora francesa Colette (1873-1954).

E retoma o tema do amor.

A beleza dos figurinos e dos cenários escolhidos não servem apenas como uma distração para nossos olhos. Ao contrário, pontuam uma preocupação decadente com o mundano que marcou o fim do séculoXIX e o começo do século XX – a “Belle Époque”- que teria um fim com a Primeira Grande Guerra.

Entre o aconchego dos veludos, plumas e peles do jardim de inverno de uma casa francesa vão ocorrer os fatos que desencadeiam uma história de amor não-ortodoxa.

É nesse jardim de inverno que famosas ex-cortesãs passam suas tardes a recordar seus momentos de glória nas rodas aristocráticas e boêmias da Europa.

Essas mulheres, cultivadas e até mesmo refinadas, não podem ser confundidas com meras prostitutas. Algumas marcaram em seus salões o destino da arte e cultura da época. Outras se tornaram muito ricas devido à relações com a aristocracia endinheirada. Mas nunca foram recebidas oficialmente nas altas rodas da sociedade. Por isso conviviam entre si.

Ficamos sabendo que a dona da casa, Charlotte Peloux (Kathy Bates), preocupa-se com o filho Fred de 19 anos (Rupert Friend), apelidado Chéri por uma colega de ofício que o conhece desde pequeno, a ainda bela e bem sucedida Lea de Lonval (Michelle Pfeiffer).

Aos 49 anos ela pensa em abandonar o “métier”.

Entregue aos cuidados de Lea para largar a vida de dissipação que levava, Chéri, quase sem querer, vai marcar e ficar marcado para sempre.

Ele, que a chama de “Nounoune”, vai encontrar na cama e nos braços de Lea, não só os prazeres do amor carnal mas as delícias dos mimos e dos cuidados maternais que tanto faltaram na vida desse rapaz que se considerava”órfão”. Sem pai e com uma mãe que não tinha muito tempo para ele.

Ela, Lea, que envelhece com dignidade, não se dá conta, apesar de toda a sua experiência,que essa história vai custar caro aos dois. Era virgem em matéria de amor.

E ela não apenas “adota” Chéri. Coloca o rapaz no centro de sua vida. E o educa para a masculinidade. Ele que tanto se atraia pelas pérolas cor-de rosa.

Um Édipo que consegue uma realização feliz.

Ao menos por uns anos…Porque, depois, a vida vai se encarregar de arrancar Chéri dos lençóis cor-de-rosa de Lea.

Essa cobrança que a vida faz em nome da tradição poderia ser uma oportunidade de crescimento para os dois amantes.

Mas a que melhor aproveita essa lição é Lea. Bem dizem os franceses:”Si la jeunesse savait…Si la vieillesse pouvait…”(Se os jovens soubessem…Se os velhos pudessem…)

As disputas sutis e venenosas entre a mãe e a amada de Chéri são um dos pontos altos do filme. Diálogos ferinos escritos pelo roteirista e dramaturgo Christopher Hampton que adaptou o livro de Colette são brihantes e dão oportunidade a Kathy Bates de mostrar a sua verve humorística refinada.

Michelle Pfeiffer, que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em “Ligações perigosas” fazendo o papel da pura Mme de Tourvel que se torna presa de um perverso John Malcovitch, brilha em “Chéri” como a cortesã Lea.

Ela atua com tanta sutileza que parece que só a câmara capta, em segredo para a platéia, a crispação de seu belo rosto frente às provocações de Mme  Peloux (Kathy Bates), mãe de Chérie, que sempre foi uma rival ciumenta.

E é com muita sinceridade que a vemos lamentar, quase que em silêncio mas com uma postura alquebrada, o rumo dos acontecimentos.

Mais ainda, belissima como sempre foi, a atriz oferece generosamente ao nosso olhar um pescoço já marcado por rugas e um rosto que começa a perder o viço.

Stephen Frears que a dirigiu 21 anos atrás parece que sabia que Michelle Pfeiffer seria uma maravilhosa Lea de Lonval. E ela aceitou prontamente o papel.

Penso que não foi por acaso ou por coincidência que o diretor convidou Michelle Pfeiffer para o papel e repetiu com ela o close final de Glenn Close em “Ligações perigosas”. Lembram-se?

Em “Ligações perigosas”, o close servia para mostrar a atriz tirando a maquiagem e, assim fazendo, desnudar nos traços melancólicos de seu rosto a tragédia que resultou de suas maquinações perversas.

Em “Chéri”, Stephen Frears coloca Michelle Pfeiffer também em close, frente a um espelho que somos nós, testemunhas de sua maturidade triste mas sadia. Um rosto envelhecido mas de certa forma enriquecido pelas venturas e desventuras vividas plenamente.

Duas personagens femininas bem diferentes.

Acho que há nessa escolha do diretor uma lição nada moralista mas bem realista: a aceitação da passagem do tempo é um árduo mas necessário fardo para todos nós. A única saída é viver plenamente.

E, quanto ao amor, vamos repetir aqui os versos tão conhecidos do “Soneto da fidelidade” do grande Vinicius de Moraes:

“Que não seja imortal, posto que é chama.

Mas que seja infinito enquanto dure.”