Lula, o filho do Brasil

"Lula, o filho do Brasil", 2009

Direção: Fábio Barreto

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Uma certa parte da imprensa escreveu sobre o filme ‘’Lula,o filho do Brasil’’, com tanto mau humor que dá para sentir como a inveja rói o coração daqueles que torcem para o fracasso do presidente Lula. Se não conseguem passar a imagem de um governo equivocado (porque ele vai muito bem, blindado quanto a esse tipo de destruição barata) então trabalham para que, pelo menos, o filme seja um fiasco.

Dizem eles que a biografia de Lula foi idealizada no filme.

Ora, uma criança que nasce no sertão, com falta de tudo, em uma família grande, com pai grosseiro e violento parece ser candidata a todas as misérias. Pois não foi isso que aconteceu com o filho de dona Lindú, incarnada no filme por uma extraordinária Glória Pires.

A mãe de Lula é uma sertaneja forte que leva a família para a frente com determinação e confiança. Nela, o olhar fala mais que as palavras. No rosto de Glória Pires, uma Lindú amorosa e continente, é toda a esperança do menino Lula dar certo.

Freud já disse em seus escritos que o filho muito amado por sua mãe é destinado ao sucesso. Acho que não qualquer mãe, nem qualquer filho. Mas nesse caso e no seu próprio, Freud acertou.

Quando o filme estrear, a partir desse primeiro de Janeiro de 2010, vai arrastar multidões aos cinemas de todo o Brasil.

O produtor Luis Carlos Barreto diz que o filme de seu filho Fábio, baseado no livro de Denise Paraná, co-roteirista, quer contar uma história extraordinária. E conta.

Antes mesmo dos letreiros iniciais, começa a saga dessa família nordestina que vem para São Paulo depois de 13 dias e 13 noites no caminhão pau-de-arara sacolejante, em uma estrada poeirenta.

Criticam também o filme dizendo que é linear e didático. Feito para o povo.

Ora, a história de Luis Inácio ‘’Lula’’ da Silva é contada no filme de forma simples porque dispensa manejos técnicos para assombrar.

Senão,vejamos uma cena no princípio do filme.

Já na escolinha do sertão o menino encanta a professora (Lucélia Santos em uma ponta bem aproveitada):

“- Eu queria dizer para a senhora que seu filho é muito inteligente.Eu podia ficar com ele e…’’

“- Muito obrigada professora mas eu mesma é que crio os meus filhos’’, responde uma Lindú confiante e firme, que olha aquela promessa de sucesso com carinho.

E na platéia da Escola do SENAI, anos depois,aplaude satisfeita o filho Lula que recebe seu certificado de torneiro mecânico.

A presença dessa mulher será o pano de fundo no qual vai se desenrolar o destino desse menino, depois rapaz e homem adulto que ninguém diria ser um predestinado. Mas que assim vai ser visto, tempos depois, por toda uma nação.

Os atores escolhidos para o papel de Lula são desconhecidos do público. Mais um acerto do filme. Felipe Falanga faz um Lula menino, questionador e sempre do lado da mãe. Guilherme Tortolio representa o Lula adolescente curioso e com espírito de humor. Rui Ricardo Dias interpreta Lula adulto.

Todos estão bem. Mas a Rui cabe a parte mais difícil, tendo o ator acertado em não fazer em nenhum momento uma imitação de Lula. O que seria desastroso.

Cléo Pires seduz com seu encanto, fazendo Lurdes, a primeira mulher de Lula que morre com seu bebê no parto, enquanto Juliana Baroni surpreende com uma Marisa Letícia muito fiel à própria.

Dizem também que há alguns erros históricos e injustiças no que diz respeito à história do movimento operário no qual Lula se formou para a liderança política. Acho que é muito difícil falar da história que toda uma geração, que ainda está na ativa, viveu. E nem parece ser essa a intenção do filme. Outros filmes virão e a história recente do Brasil será contada aos poucos de vários pontos de vista.

Uma coisa é certa. Com filme ou sem filme, somos todos filhos de um Brasil que com Lula recupera sua auto-estima e valor perante nós mesmos e o mundo.

Aplausos para dona Lindú e seu filho.

Coco, antes de Chanel

"Coco, antes de Chanel", França

Direção: Anne Fontaine

Mademoiselle, como todos sempre a chamaram, se viraria no túmulo se visse o que Anne Fontaine fez com ela…Logo ela que escondia o seu passado atrás das histórias inventadas que contava. Para ela essas histórias eram muito mais interessantes do que a verdade.

Mas o que é a verdade na vida de alguém? Quanto mais alguém que foi Gabrielle “Coco” Chanel?

Acho que o fantasma de Chanel se vinga nesse filme porque nunca se viu uma Coco tão sem graça e apagada como a de Audrey Tautou.

Em um ritmo lento, a “verdadeira” história de Chanel é contada em meio a cenários suntuosos e natureza esplêndida. Um filme bem cuidado.

Mas não creio que o sabor insípido desse filme seja fruto do trabalho da diretora ou da atriz. Muito mais provável é que a grife Chanel não possa se permitir nada que tire o brilho tradicional e burguês de suas carésimas criações.

Hoje em dia uma marca global, os famosos “C” entrelaçados vendem no mundo todo. Daí talvez essa orfãzinha um pouco petulante e perdida de amor…

Mas ficamos sem a mulher voluntariosa, livre de preconceitos, talentosa e dura que obrigava todos a se render a seu charme de Medusa.

Onde  está o “ballet russe”, Stravinsky, Hollywood e Gloria Swanson, o principe Dimitri, o duque de Westminster? Onde Misia, Marlene Dietrich e tantas outras?

Em um documentário feito no início do século XXI, quando Karl Lagerfeld assume a “Maison”, perguntam a ele:

“ – Qual foi a maior invenção de Chanel?”

“- Ela mesma”, responde o excêntrico estilista.

Ecoando as palavras de Mademoiselle, adepta do mistério (“É mais excitante imaginar o corpo de uma mulher do que mostrá-lo”), Lagerfeld aponta para a lenda que a própria Chanel escolheu para si mesma. E não foi pouca coisa conseguir torná-la realidade.

A cena mais tocante do filme é, na minha opinião, a sequência que mostra a mítica escada espelhada da Rue Cambon. Mademoiselle com suas pérolas e  tweeds, dando toques finais ao desfile imaginário de uma amostra dos modelos que ela criou ao longo de tantos anos, sorri vitoriosa. Mas sua imagem duplicada nos espelhos sugere o jogo narcísico de brilhos nos quais, entre cigarros e melancolia, ela escolheu viver.

Aos 87 anos morreu em Paris em 1971, rodeada das pessoas que a admiravam tanto quanto a temiam.

O mito que ela criou ainda sustenta a “maison”: não há mulher no mundo que não se encante com algo Chanel.

Ela foi uma feiticeira que amava as mulheres.

E o cinema ainda vai falar dela como ela merece.