Zona de Interesse

“Zona de Interesse”- “The Zone of Interest”, Estados Unidos, Reino Unido, Polonia, 2024

Direção: Jonathan Glazer

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Os mais desavisados reclamam e assobiam enquanto a tela permanece silente. Mas quando o silencio é invadido por sussurros, gemidos, vozes abafadas e tiros, os espectadores se dão conta de que é proposital esse começo.

Aliás o diretor Jonathan Glaser vai voltar a utilizar a tela colorida, ora branca, vermelha ou preta com sons soturnos para fazer a plateia pensar onde estamos.

A família de Rudolf Hoss (Chrstian Friedel) mora na casa que vemos. Há um belo jardim. Ele é um oficial nazista, comandante do campo de concentração de Auschwitz.

Há um muro alto mas que não esconde as chaminés da construção ao lado, que soltam uma fumaça negra inquietante.

A mãe da família (Sandra Huller), na cozinha, escolhe roupas que trouxeram para ela. Deixa as de criança para as empregadas. E desfila, para si mesma, um casaco de pele, no espelho do quarto do casal.

O horror com aquelas cenas começa a se configurar.

E quando a mãe de família recebe a mãe dela e mostra com orgulho sua casa, ouve:

“- Você venceu, filha! Olha aonde você chegou!”

Mas a admiração dura pouco e no dia seguinte a avó deixa a casa. Um bilhete dela é queimado por uma filha indignada.

Parece que os mais sensíveis querem mesmo se afastar daquela casa. Não só a avó ficou chocada com o que ouviu durante a noite. A menina maiorzinha é encontrada pelo pai vagando à noite pela casa. Desassossegada.

O pai tenta criar um clima mais tranquilo e lê para os filhos, antes de dormir, a história de João e Maria que se livram da bruxa empurrando a maldosa para o fogo do fogão. Tenta usar essa metáfora para esclarecer que o mal existe e merece o fogo como castigo. Mas as crianças não sabem o que acontece ali ao lado.

Não há cenas de horror explícito no filme de Glazer. O impensável que acontece ao lado é negado. Porém essa ausência assusta mais, já que a fumaça negra e cinzas denunciam o que se quer esconder.

A ambição vence a humanidade dos membros daquela família. Mesmo quando o marido é transferido, a mãe não quer deixar aquela casa. Apega-se ao luxo com que sempre sonhou e não se importa em pensar nos crimes cometidos para que ela realize seus sonhos de poder.

O diretor nos diz sobre seu filme:

“… trata da nossa capacidade de cometer violência. E nossa indiferença, cumplicidade, aos horrores do mundo, para proteger nossa segurança, nossos luxos.”

E a cena final, filmada no atual Museu de Auschwitz mostra as vitrines com o que restou daqueles que morreram ali. A visão mórbida e comovente faz com que se pense: como isso foi possível? O Holocausto mostra o que de pior existe em todos nós.

O filme foi premiado em Cannes e está indicado na lista dos cinco melhores filmes internacionais do Oscar.

Pobres Criaturas

“Pobres Criaturas”- “Poor Things”, Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos, 2023

Direção: Yorgos Lanthimos

O diretor grego nos convida para assistir a uma fantasia curiosa sobre uma mulher que nasce com o corpo adulto e o cérebro de uma criança. Quem salva a mulher que quer se suicidar, e salta da Ponte de Londres, é o médico e cientista Doutor Godwin Baxter (magnífico William Dafoe). Algo ainda pulsa nela quando a recolhem e a levam para o laboratório de Godwin. Um transplante de cérebro e nasce Bella (a estonteante Emma Stone).

Uma alusão ao Frankenstein de Mary Shelley, Bella Baxter é uma criatura desengonçada mas linda, que se comporta como uma criança mimada. Quebra coisas por prazer, come de maneira glutona e sem modos e faz cenas de birra quando contrariada.

Emma Stone está fantástica como Bella. A atriz usa o corpo para expressar a criança e seu rosto se ilumina e mostra surpresa quando descobre prazeres em seu próprio corpo.

Vamos acompanhar o desenvolvimento de Bella, alguém que só obedece à própria vontade. E ela quer descobrir o mundo. Para isso tem que deixar a casa ”paterna”, com o consentimento do médico, e parte para uma longa viagem com o sedutor Duncan, um ótimo Mark Ruffalo. Que vai penar nas mãos de Bella. Ela é quem conduz seu próprio destino.

As cenas de sexo são naturais e Bella se mostra encantada com o prazer. Exigente e exagerada, quer mais e mais. Seu parceiro começa a ficar esgotado. Mas Bella não descansa.

Lanthimos faz um filme baseado num livro de Alasdair Gray de 1992, com a adaptação e roteiro de Tony McNamara. E traz para a tela uma personagem feminista, sem medo de buscar sua liberdade. Através do que vê e experimenta no mundo, Bella se torna uma mulher livre, dona do próprio nariz. Mas conquista também conhecimento, o que a faz mais adulta. Vai conhecer o bem e o mal no mundo dos homens.

Hanna Schygulla, atriz maravilhosa, faz o personagem de uma velha senhora que introduz Bella à filosofia e à literatura. Jantando com ela e seu parceiro, Bella aprende a conversar, ouvir e ser ouvida. Duncan não é convidado e morre de ciúmes. Mas Bella não é mais a mesma.

O filme é de uma beleza sempre presente. Os cenários são criativos, as paredes do casarão cintilam com tecidos preciosos e objetos rebuscados adornam cada canto. Bella, vestida por Holly Waddington, é um espetáculo à parte. A fotografia num luxuoso preto e branco, antes dela partir para a viagem e um colorido de sonho no mundo que ela descobre, é deslumbrante.

Os atores perfeitos, dirigidos pelo grego talentoso (“The Lobster”2015, “A Favorita”2018) completam a magia que sentimos vendo o filme. Yorgos Lanthimos disse numa entrevista que gosta de surpreender para estimular a plateia a sair da unanimidade. Assim, cada um pode mergulhar nos filmes dele a seu modo. E criar seu próprio sonho.

Foi indicado a 11 Oscars, inclusive melhor filme, diretor e atriz.