Pobres Criaturas

“Pobres Criaturas”- “Poor Things”, Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos, 2023

Direção: Yorgos Lanthimos

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O diretor grego nos convida para assistir a uma fantasia curiosa sobre uma mulher que nasce com o corpo adulto e o cérebro de uma criança. Quem salva a mulher que quer se suicidar, e salta da Ponte de Londres, é o médico e cientista Doutor Godwin Baxter (magnífico William Dafoe). Algo ainda pulsa nela quando a recolhem e a levam para o laboratório de Godwin. Um transplante de cérebro e nasce Bella (a estonteante Emma Stone).

Uma alusão ao Frankenstein de Mary Shelley, Bella Baxter é uma criatura desengonçada mas linda, que se comporta como uma criança mimada. Quebra coisas por prazer, come de maneira glutona e sem modos e faz cenas de birra quando contrariada.

Emma Stone está fantástica como Bella. A atriz usa o corpo para expressar a criança e seu rosto se ilumina e mostra surpresa quando descobre prazeres em seu próprio corpo.

Vamos acompanhar o desenvolvimento de Bella, alguém que só obedece à própria vontade. E ela quer descobrir o mundo. Para isso tem que deixar a casa ”paterna”, com o consentimento do médico, e parte para uma longa viagem com o sedutor Duncan, um ótimo Mark Ruffalo. Que vai penar nas mãos de Bella. Ela é quem conduz seu próprio destino.

As cenas de sexo são naturais e Bella se mostra encantada com o prazer. Exigente e exagerada, quer mais e mais. Seu parceiro começa a ficar esgotado. Mas Bella não descansa.

Lanthimos faz um filme baseado num livro de Alasdair Gray de 1992, com a adaptação e roteiro de Tony McNamara. E traz para a tela uma personagem feminista, sem medo de buscar sua liberdade. Através do que vê e experimenta no mundo, Bella se torna uma mulher livre, dona do próprio nariz. Mas conquista também conhecimento, o que a faz mais adulta. Vai conhecer o bem e o mal no mundo dos homens.

Hanna Schygulla, atriz maravilhosa, faz o personagem de uma velha senhora que introduz Bella à filosofia e à literatura. Jantando com ela e seu parceiro, Bella aprende a conversar, ouvir e ser ouvida. Duncan não é convidado e morre de ciúmes. Mas Bella não é mais a mesma.

O filme é de uma beleza sempre presente. Os cenários são criativos, as paredes do casarão cintilam com tecidos preciosos e objetos rebuscados adornam cada canto. Bella, vestida por Holly Waddington, é um espetáculo à parte. A fotografia num luxuoso preto e branco, antes dela partir para a viagem e um colorido de sonho no mundo que ela descobre, é deslumbrante.

Os atores perfeitos, dirigidos pelo grego talentoso (“The Lobster”2015, “A Favorita”2018) completam a magia que sentimos vendo o filme. Yorgos Lanthimos disse numa entrevista que gosta de surpreender para estimular a plateia a sair da unanimidade. Assim, cada um pode mergulhar nos filmes dele a seu modo. E criar seu próprio sonho.

Foi indicado a 11 Oscars, inclusive melhor filme, diretor e atriz.

Sociedade da Neve

“Sociedade da Neve”- “Sociedade de la Nieve”, Espanha, Chile, Uruguai, Estados Unidos, 2024

Direção: Juan Antonio Bayona

Essa é a história real de um milagre. É tão inacreditável que seduz mesmo o mais cético dos mortais. Ninguém imaginava que nesse avião caído nos Andes pudesse alguém ter sobrevivido.   Impossível.

Mas não. Aconteceu o inesperado e virou filmes. “Alive” de 1993, o mais famoso e agora esse “Sociedade da Neve”, indicado ao Oscar de melhor filme internacional.

A história começa no Uruguai onde uma equipe de rugby, todos muito jovens, embarca num avião com destino a Santiago, Chile. Mas nunca chegaram lá. O avião da Força Aérea Uruguaia sofreu um acidente e caiu, no meio de uma tempestade, nas  montanhas dos Andes em 13 de outubro de 1972.

É uma cena horripilante. Os destroços e os que conseguiram sobreviver, cercados pelas altas montanhas de rocha e neve. O avião despedaçado, partido ao meio, parecia um lugar de morte.

Mas, e esse é o milagre, ouvimos e vemos vida em meio ao caos de corpos misturados ao que restou do avião.

Baseado no livro de Piers Paul Read de 1974, “Alive:The history of the Andes survivors”, o diretor e roteirista J.A. Bayona consegue fazer um filme que nos choca e nos aflige. Apesar de saber que existirá um final feliz para alguns dos sobreviventes, sofremos junto.

Foram 72 dias de luta pela vida e dos 40 passageiros e 5 da tripulação, só 16 conseguiram sair vivos desse inferno.

O anseio pela vida leva a discussões sobre como iriam sobreviver sem comida. Uma decisão difícil, nem todos concordam mas enfrentam o tabu com coragem.

Numa (Enzo Vogrincic) é o narrador. Através dele ficamos sabendo dos conflitos da esperança de resgate e a espera da morte, do desafios enfrentados mas, principalmente, da solidariedade  entre eles que foi a tábua de salvação que poupou os que sobreviveram.

Os mais fortes cuidavam dos feridos, afastavam os mortos com respeito, enfrentando a neve e o frio e, quando começou o degelo, alguns partiram para encontrar o caminho para o mundo dos homens.

Foram 140 dias de filmagem em locação na neve com cinco protótipos do avião. Os atores quase todos novatos, escolhidos pela aparência semelhante aos sobreviventes reais, transmitem em imagens, dentro e fora do avião, o que viveram os verdadeiros heróis dessa história extraordinária e terrível.

Um filme inesquecível.